segunda-feira, 21 de março de 2016

Sobre Lula, o público e o privado

José Antônio Bicalho
José Antônio Bicalho
jleite@hojeemdia.com.br
  

21/03/2016

Para jogar um pouco de luz nesses tempos de trevas, um grande amigo me recomendou a leitura de “O declínio do homem público”, do inglês Richard Sennett, texto clássico das ciências sociais escrito na década de 70 e editado no Brasil pela Companhia das Letras, que discute a questão do público e do privado na esfera política.

O livro passou alguns anos esgotado e raro nos sebos, mas no ano passado foi reeditado pela Record. Pesquisa no site Estante Virtual, que interliga livrarias e sebos de todo o país, oferece o livro novo ao preço de R$ 50 e usados em torno de R$ 35. Segundo meu amigo, Sennett condena a confusão que atualmente se faz entre a vida pública e privada na qual assuntos pessoais são levados a público.

A recomendação da leitura se deu em conversa sobre a divulgação das gravações dos diálogos entre a presidente Dilma e o ex-presidente Lula. Diálogos que nada acrescentam às investigações da operação ‘Lava Jato’, que são de foro privado e que, por lei, deveriam ter sido destruídas. A motivação por trás da divulgação das gravações é nitidamente política, de instigar o Supremo Tribunal Federal contra Lula.

Criticada de “acovardada” por Lula, a reação da corte foi absurda e desmedida. Coube ao mais antigo ministro, Celso de Mello, a resposta a Lula em um discurso curto e duro no qual o magistrado repudiou o que chamou de “insulto” e ressaltou que “a lei é igual para todos, governantes e governados”.

Mello falou como se respondesse a um ataque público. Não foi. A crítica de Lula, quase um desabafo, foi feita em conversa privada, que veio à público por uma ilegalidade cometida pelo juiz Sérgio Moro. Este é um ponto que precisa ser debatido.

Não houve nenhuma censura pública à atitude de Moro, a não ser pelos próprios atingidos, Dilma e Lula, e seus partidários. E a ilegalidade cometida foi recompensada pela suspensão da posse de Lula como ministro da Casa Civil, decretada pelo ministro Gilmar Mendes, e o envio do processo que investiga o ex-presidente novamente aos cuidados de Moro em Curitiba.

Acontece que exceder no privado não é crime e nem merece censura. Quem nunca se excedeu numa conversa entre amigos sobre um assunto polêmico? Quem nunca se excedeu ao defender determinado ponto de vista em debate privado? Todos nós já fizemos isso e temos o direito de fazê-lo. O contrário disso é cerceamento da liberdade individual, do direito de opinião, da liberdade de pensamento. É autoritarismo e estado de exceção.

Reservas
Que fique registrada aqui a minha aposta. Independentemente do resultado do processo de impeachment, as reservas internacionais serão usadas para recuperar a economia. Dilma disse que não usará as reservas para financiar investimentos públicos, mas que poderá usá-las para abater dívida. Acontece que dá no mesmo.

Abater dívida é abrir espaço para novas tomadas de crédito que financiarão os investimentos públicos. Diante da deterioração das contas públicas, não existe outro recurso que não seja o uso das reservas. O país não tem outra poupança. O ajuste fiscal já provou que só faz mergulhar o país em mais recessão e, assim, aumentar o déficit público. Não existe saída se o governo não voltar a investir.


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