sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Gasto com folha pode extrapolar Lei de Responsabilidade Fiscal em MG

25/11/2016 06h00 - Atualizado em 25/11/2016 06h00
Despesa já corresponde a 47% da receita; limite é de 49%, segundo a LRF.

Mais de 8 mil funcionários recebem mais de 16 salários mínimos.

Thais Pimentel Do G1 MG
Cidade Administrativa foi inaugurada em março de 2010 (Foto: Carlos Alberto/Imprensa MG)Cidade Administrativa é sede do governo de Minas Gerais (Foto: Carlos Alberto/Imprensa MG)
Os gastos com folha de pagamento do Poder Executivo do governo de Minas Gerais estão próximos de extrapolar o limite da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). De janeiro a outubro deste ano, as despesas com pessoal somaram mais de R$ 30 bilhões, sendo que a receita bruta estava em pouco mais de R$ 60 bilhões, segundo o Portal da Transparência. De acordo com a LRF, os estados podem comprometer até 49% da Receita Corrente Líquida (RCL) com o funcionalismo público.
De acordo com a Secretaria de Estado da Fazenda, no Relatório de Gestão Fiscal (RGF) do 2º quadrimestre (de janeiro a agosto), publicado no fim de setembro, os gastos com a folha de pagamento já alcançavam 47,37%. O índice ultrapassou o limite prudencial - imposição de uma margem de segurança da qual o Estado deve se valer para não ir além do que determina a legislação - da Lei de Responsabilidade Fiscal que é de 46,55%. Caso haja infração, o estado pode ficar impedido de fazer contratações e até de receber transferências por parte da União.
Segundo o Tesouro Nacional, em 2015, Minas Gerais comprometeu 78% da sua receita com a folha de pagamento, maior índice do país. Este valor se refere ao pagamento de todo o funcionalismo público do estado, incluindo os poderes Judiciário e Legislativo. Neste caso, a LRF diz que o limite do gasto deve ser 60% da receita. Os 18% pagos além do permitido representam R$ 8,8 bilhões. Com este dinheiro seria possível sustentar 36 hospitais do porte do Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, o maior de Minas Gerais, por ano.
A previsão é que o estado arrecade mais de R$ 84,4 bilhões em 2016. A lei orçamentária do estado previu mais de R$ 92 bilhões para 2016, sendo que 90% deste valor ficaram comprometidos com folha de pagamento, precatórios e cumprimento constitucional em saúde e educação. No início do ano, o governador disse que o déficit total no estado chegaria a R$ 8,9 bilhões.
O Tribunal de Contas do Estado (TCE) informou que há um alerta sobre o limite da LRF a ser enviado para o plenário da entidade, mas ainda não há deliberação sobre o assunto. O último a ser emitido foi publicado no Diário Oficial do dia 19 de abril  de 2016, referente ao 3° quadrimestre de 2015.
O Executivo estadual atingiu 47,91% da Receita Corrente Líquida na despesa  com pessoal ultrapassando o limite prudencial de 95%,o que corresponderia a 46,55%. Com relação a 2016, há um alerta a ser levado para o Plenário, mas ainda não há deliberação sobre o assunto.
Super salários
O governo de Minas Gerais irá gastar em 2016 mais de R$1,4 bilhão com remunerações de servidores que superam os R$ 14 mil por mês, maior faixa salarial estabelecida no funcionalismo do Poder Executivo. De acordo com o Portal da Transparência, há delegados e coronéis da Polícia Militar que ganham mais de R$ 35 mil. Há salários que chegam a R$ 43 mil.
A Constituição Federal afirma que o teto do funcionalismo estadual deve ser o salário do governador.  Fernando Pimentel (PT) recebe R$ 10,5 mil por mês. Porém, o texto diz que os estados podem escolher se os vencimentos devem seguir a remuneração do governador ou o vencimento de um desembargador de Justiça. Minas Gerais ficou com a segunda opção. O teto é R$ 30.471,10, o que corresponde a 90,25% do salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal.
Minas Gerais possui 403.530 servidores ativos e 228.788 servidores inativos, sendo que 377.447 do total são do Poder Executivo. A folha de pagamento consome R$ 3 bilhões por mês, sendo R$ 2,5 bilhões com os servidores do poder do estado. De acordo com o Portal da Transparência, 8.317 destes funcionários recebem mais de 16 salários mínimos.
“Talvez um dos grandes problemas deste país, no que toca à despesa com pessoal, não seja o valor do subsídio ou do vencimento, mas as formas - todas legais, diga-se - de se ultrapassar o teto. Deste modo, antes de se pensar em limitações ao investimento em saúde e educação, por exemplo, talvez seja mais importante restabelecer aquilo que está claro no texto constitucional, atenção ao teto remuneratório dos cargos públicos”, disse o advogado especialista em direito público, Flávio Boson.
Segundo a Secretaria de Estado da Fazenda (SEF), considerando-se apenas o pessoal civil da Administração Direta, Fundações e Autarquias do Poder Executivo de Minas Gerais, são 31 os servidores que recebem remuneração superior ao teto, amparados por determinação judicial. O órgão ainda informou que o governo "contingenciou o orçamento, cortando R$ 2 bilhões de despesas operacionais e de custeio da máquina pública, entretanto, sem afetar a prestação de serviços à população. Houve também uma reestruturação administrativa, que incluiu a extinção e fusão de órgãos, redução de cargos vagos e estruturas".
Já a Polícia Militar, cuja remuneração é administrada pela própria corporação, informou em nota que “toda e qualquer remuneração que ultrapasse o contido no contexto legal é descontado automaticamente no próprio contracheque. Não há recebimentos que ultrapassem o contido na legislação. Exceções feitas a algumas questões em que há determinações judiciais para tal (liminares)”.
Escalonamento
Para conseguir cumprir com os compromissos, o governo estadual tem parcelado o pagamento dos salários. Segundo a assessoria do governo, desde fevereiro deste ano os funcionários públicos com vencimento superior a R$ 3 mil recebem a remuneração em três datas. A medida, de acordo com a assessoria, impacta 25% dos trabalhadores.
Segundo o executivo estadual, a arrecadação do estado até o 5º dia útil não tem sido suficiente para o pagamento integral dos salários em 2016. O governo garantiu que, apesar do parcelamento, todos os salários estão em dia.
Gastos com pessoal do poder executivo em MG são expostos no Portal da Transparência (Foto: Portal da Transparência/Reprodução)Gastos com pessoal do poder executivo em MG são expostos no Portal da Transparência (Foto: Portal da Transparência/Reprodução)
PM e educação
A Polícia Militar e a Secretaria de Estado da Educação (SEE), pastas que têm os maiores gastos com folha de pagamento do Poder Executivo do governo de Minas Gerais, possuem dados discrepantes. Enquanto um coronel pode chegar a ganhar R$ 43 mil por mês, o maior salário pago pela SEE é para o cargo de procurador: R$ 17,7 mil.
São necessárias mudanças e práticas que diminuam o abismo da desigualdade em que vivemos"
Professor Luciano Filho
Segundo o Portal da Transparência, 26% dos R$ 30 bilhões gastos de janeiro a outubro com pessoal no Poder Executivo do Governo de Minas Gerais foram destinados à Polícia Militar. A corporação só perde para o Fundo Financeiro de Previdência, cuja fatia representa 27%. Em terceiro lugar vem a Secretaria de Estado de Educação com 19%.
Em dez meses, R$ 7,89 bilhões foram gastos com a folha de pagamento de mais de 43 mil policiais militares em Minas Gerais, segundo o Portal da Transparência. Já as despesas com os cerca de 240 mil servidores da SEE totalizaram R$5,84 bilhões no mesmo período.
Os policiais militares representam 34,76% dos servidores que recebem mais de 16 salários mínimos (R$ 14 mil). Já 96% dos servidores que recebem até um salário mínimo (R$880) são da pasta da educação.
“Professores bem remunerados, que tem carreira, que estão satisfeitos, são professores que buscarão formação, que conseguirão dar boas aulas, apesar dos currículos escolares ruins. Fora isso será o caos e a barbárie. A reprodução do pensamento da nossa sociedade de que investimentos em segurança são suficientes para que nos tornemos mais seguros não se provou eficaz. São necessárias mudanças e práticas que diminuam o abismo da desigualdade em que vivemos”, disse o professor de história da educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Luciano Mendes de Faria Filho.
Em nota, a Polícia Militar (PM) informou que os altos salários são permitidos graças ao plano de carreira. “O militar faz jus a sua remuneração, acrescida dos quinquênios equivalentes (que geralmente podem chegar a seis) aos postos e graduações galgados. Somente no final desta jornada (30 anos) é que o militar pode perceber salários que atinjam a tais patamares”.

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