segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

BRASIL...Falta Xerife

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Fonte: http://blogs.uai.com.br/danbrasilmundo/2017/01/09/falta-xerife/
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Esse é um país com excelentes leis, tem uma legião dos melhores juristas do mundo, mas a defesa da coletividade sempre foi tão politizada, e pouco disseminada na sociedade, que todos esses atributos transformam-se em pó diuturnamente. É como se o Brasil fosse um Faroeste, um país sem lei, nem comando.
A ditadura militar fez um mal muito pior que aquele trauma de perseguição disseminado pela politicagem barata da esquerda acadêmica ou política: ela destruiu, em uma geração inteira, o gosto moderado pela política. Esse efeito nefasto foi duradouro e impactou diretamente a atual geração.
A classe média brasileira tinha passado finalmente a participar da política em 1954, após a saída de cena do ditador Getúlio Vargas – que retornou ao poder pelo voto, apenas devido a sua popularidade demagógica, mas que preferiu entrar para a história ao suicidar – e por causa da Constituição de 1946, a mais democrática até então. Aí vieram os socialistas de Jango e Brizola – com a resposta do establishment, que foi o Golpe de 1964 – e todo o avanço cívico moderado que poderia estar-se criando foi por água abaixo.
Diante do regime militar truculento, as vozes moderadas preferiram cuidar das suas vidas. Radicais de direita e esquerda passaram a disputar o poder pela violência, criando um aparato de corrupção que destrói o país até hoje. Por quê falo disso hoje, tanto tempo depois? Basta olhar a idade dos que governam os estados (e o país) para entender que data dessa época o “molde” desse pessoal.
É a turma que cresceu naquela época que ainda comanda e condena o país ao atraso.
A vinculação da autoridade à violência e ao arbítrio ainda é marca brasileira. A minha geração sempre desejou desrespeitar autoridades públicas, pois nelas via apenas a subversão de valores, a truculência, o favoritismo subordinado que desgraçou o país. Se em casa a autoridade materna ou paterna pode ter persistido,  nas ruas homens fardados eram sinal de falta de liberdade e a necessidade de gritar por independência. Até hoje menosprezamos as autoridades, pois achamos que a maioria está lá não por competência, mas unicamente para manter um grupo mandando, sem qualquer sensibilidade sobre demandas da população (há raríssimas exceções e essas muitas vezes tendem a descambar facilmente ao populismo).
Essa herança histórica não é facilmente apagável da memória individual ou coletiva.
Ainda que hoje a maioria dos brasileiros tenha nascido sob a democracia (ou seja, tecnicamente após 1985, legalmente após a Constituição de 1988), foi apenas em 1990 que o voto direto para Presidente voltou. O aprendizado democrático ainda não se completou para eleitores e para eleitos (atualmente há pequenas levas de novos políticos desconectados do passado nefasto acima descrito). Aprender a conviver com autoridade constituída democraticamente, merecedora de respeito, é coisa nova que ainda está por vir.
As matanças recentes em presídios, o flagrante desrepeito das leis e instituições por governantes (como indicado em meus posts recentes, onde não poupo político ou partido algum que eu ache malfeitor, claro que especialmente o PT, pois este é o mais hipócrita e mais traidor de promessas do que outros) nada mais são que a herança de desprezo pela autoridade. Se o cidadão a menospreza, da mesma forma aqueles que ocupam cargos altos, condenamo-nos à esculhambação. Conversas telefônicas reveladas entre a presidente impedida e seu chefão Lula, bem como de pessoas que administravam a República até recentemente (já que é o que foi revelado por parte da impresa), demonstra o quão desprezam a importância da defesa da coletividade que deveriam promover.
Países desenvolvidos – diferentes do Brasil, mais avançados – passaram de autoridades fortes a cidadanias fortes, onde todos são cientes de suas obrigações e direitos, sendo instruídos a defenderem e entenderem as necessidades da coletividade.
O Brasil precisa, ao meu ver, de um estágio anterior a isso. Precisa reafirmar a autoridade. Não aquela autoridade ditatorial, truculenta, derivada de um ato do diário oficial que torna uma pessoa poderosa. Há necessidade urgente da autoridade competente, honesta, fundada em intenções e ações coerentes, segundo um mandato, uma ordem necessária.
Essas autoridades são pouco vistas no Brasil. Em todos os setores.
No campo bancário, os gigantes bancos brasileiros fazem o que querem e o Banco Central pouco lhes incomoda, lavando as mãos sobre os desrespeitos em matéria de tarifas abusivas e serviços horríveis. O Banco Central deixa o assunto para o PROCON, quando era para garantir também algo melhor, mais barato, já que tão concentrado (hoje 5 bancos administram 90% da riqueza brasileira).
No campo das telecomunicações, a ANATEL é uma lesma. Há várias áreas sem cobertura, nacionalmente, os serviços são caros e ruins. Novamente o povo se volta ao PROCON, só que apenas uma parcela ínfima reclama ou pode perder tempo numa demanda em pequenas causas. A agência competente para melhorar os serviços oferecidos, segundo a lei aplicável, faz muito pouco e se dá por satisfeita, enterrando a cabeça omissa na areia. A quebra da Oi é um exemplo evidente de passividade absoluta (ou subordinação a interesses inconfessáveis).
O transporte aéreo brasileiro se popularizou, mas nem por isso pode virar o lixo que virou, sem conforto, com tarifas altíssimas, com o bombardeio de publicidade sobre o cliente que já pagou pela passagem e tantos outros desrespeitos que a ANAC deixa acontecer. A agência não serve as companhias. As agências servem a coletividade, bastando lerem-se suas leis para constatar o óbvio. Ao não cumprirem seu papel, as agências sepultam sua autoridade.
Eu poderia dar outros exemplos de autoridades que não trabalham eficazmente, não cumprem seu mandato, brincam de manejar estatísticas e não de fiscalizar e “enquadrar” prestadores de serviços públicos que insistem em se ver acima da lei. A desculpa de que o PROCON é ativo é apenas uma cortina de fumaça para esconder a inoperância de autoridades que tem poder-dever de agir, mas preferem acomodar-se sob a desculpa de falta de orçamento ou pessoal. Essa conversa fiada é absurda, pois  são tão poucos fornecedores de serviços que bastaria fiscalizar e obrigar-lhes a distribuir melhor os benefícios que o monopólio ou oligopólio dá a esses grupos.
Enquanto o Brasil for terra sem xerife, onde a lei não é aplicada e quando é, serve a poucos, o terceiro-mundismo continuará nos rondando, dando-nos vergonha perante nações mais responsáveis.
Uma nova geração de cidadãos está progressivamente tomando o poder, sendo eleita por quem deseja enterrar a conivência ou a paralisia política resultante da ditadura. A esperança de que essa turma – que acredita em diversidade, abertura de espírito, respeito à ordem e previsibilidade – transforme o Brasil é grande.

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