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Coluna no
GLOBO
por
Míriam Leitão
21/09/2017
06:00
O
Exército fez a mais explícita ameaça ao país em 32 anos de democracia através
do episódio do general Antonio Hamilton Mourão. O general Mourão falou em
intervenção militar. Seu chefe, o comandante do Exército, general Eduardo
Villas Bôas, não só não o puniu, como o elogiou e, por fim, seguiu seu
comandado, afirmando que a Constituição dá às Forças Armadas o mandato para
intervir.
A
entrevista dada pelo comandante do Exército ao programa Conversa com Bial, da
TV Globo, é estarrecedora porque ele, ao simular que discorda, acabou deixando
claro que concorda com seu companheiro de farda. Lembrou que a Constituição, no
artigo 142, estabelece que as Forças Armadas podem intervir no país, ou a
pedido de um dos poderes ou na iminência de um caos. “Então as Forças Armadas
teriam o mandato para fazê-lo. Caso não seja solucionado o problema, nós
podemos intervir. É isso o que ele quis dizer”, disse o comandante do Exército.
Pois é. E
o que Mourão quis dizer é exatamente o que ele não deveria dizer, porque
militares da ativa não podem fazer manifestação política. No mínimo, a sua
declaração deveria ter sido vista como quebra de hierarquia. Entende-se que ele
não quebrou hierarquia alguma, porque, como se viu, seu chefe concorda com ele.
O general
Mourão não nega o nome que tem. Não é a primeira vez que o amalucado general
diz esse tipo de sandice. Da primeira vez, foi removido do posto, agora recebe
um afago do seu superior. Bem que Mourão avisou que não está sozinho. “Na minha
visão, que coincide com a dos companheiros do Alto Comando do Exército”, o país
está vivendo uma situação que ele descreveu como de “aproximações sucessivas”.
E explica de que ponto o país está se aproximando: “Até chegar o momento em que
ou as instituições solucionam o problema político, com apelação do Judiciário,
retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos. Ou
então teremos que impor isso.”
E o poder
civil do país? A tudo assistiu, acanhado. O ministro da Defesa, Raul Jungmann,
soltou uma nota tímida dizendo que pediria explicações ao chefe do general e
ficou por isso mesmo. Que explicação deu, pode-se imaginar agora em que,
entrevistado, o chefe de Mourão elogiou seu subordinado: “um gauchão, um grande
soldado, figura fantástica.” Em seguida, disse que ele foi mal interpretado e
que é preciso entender o contexto, porque ele teria falado em reunião fechada.
Mourão foi tão claro que não havia forma de interpretá-lo erradamente, e a
reunião, apesar de ser fechada, por ser na Loja Maçônica, era um encontro
público, e não um bate-papo entre amigos. Ele sabia que havia o risco de
aquelas declarações saírem.
O general
Mourão chantageou as instituições civis, citando especificamente o Judiciário,
ao afirmar que ou elas retiram esses “elementos envolvidos em todos os
ilícitos” ou então as Forças Armadas vão “impor isso”. O país quer se livrar da
corrupção. Disso não há dúvida. Só que será usada a pena do juiz e não a bota
do general, será respeitado o devido processo legal e não a imposição
castrense. O salvacionismo militar já nos custou caro demais por tempo
prolongado demais. O país fará a sua depuração através das instituições
democráticas.
O governo
Michel Temer é fraco e teme as Forças Armadas. Bastou uma cara feia para os
militares serem tirados da reforma da Previdência. Depois, eles foram poupados
da proposta de congelamento de salário dos servidores federais. Agora aconteceu
um episódio de indisciplina militar e de ameaça às instituições brasileiras, e
o governo deixou que os militares resolvessem entre si. O general Villas Bôas
disse que conversou com o general Mourão. E o assunto está encerrado.
O Brasil
nunca exigiu que as Forças Armadas reconhecessem os crimes cometidos durante a
ditadura. Ao contrário dos países vizinhos, ninguém jamais foi punido pelas
torturas, mortes, ocultação de cadáveres. O general Villas Bôas justificou até
a ditadura. Disse que era parte do contexto da época de guerra fria e lembrou
que naquele regime o país saiu de 47ª economia para o 8º lugar. Os militares
deixaram as contas públicas em absoluta desordem, o país pendurado no FMI e com
a inflação galopante.
Só mesmo
um governo claudicante como este pode não entender o quão inaceitável é tudo
isso que se passou diante de nós nos últimos dias.
(Com
Alvaro Gribel, de São Paulo)
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