"Alteri ne facias quod tibi fieri non vis" Não faças aos outros o que não queres que te façam
sábado, 25 de janeiro de 2025
Ano de 1985 - História de fuga de preso com assassinato de Policial Militar na Guarda de Cadeia de Almenara-MG. Perseguição e morte do Assassino após reação..
Corria o ano de 1985 em Almenara. Era a noite de sábado de 09 de março – a cidade tinha sempre festa nos fins de semana. No Minas Clube, Mineirão, o mais popular dos populares, usava a bilheteria, a venda de bebidas e salgados para fazer o caixa noturno com sobra para pagar os músicos de bandas locais de baixo custo, e o acerto com os garçons. Tudo simplificado:frequentado por famílias de baixa renda, rapazes e moças que se envolviam na paquera em salão amplo, dançando sucessos de músicas românticas, alternada com cantores conhecidos da rapaziada e dos coroas em trajes social atentos às mulheres de vida solitária no ensejo de conseguir um programa às escondidas, na saída de encontro marcado no carro estacionado fora do movimento do entra e sai do clube. Nesta noite a banda contratada era a Arco-íris: Nildon Sena, no órgão; Carrim, na bateria; Foka Sena, na guitarra; Negão, no contrabaixo e Chichita, Welson Costa, o vocalista, então com 20 anos de idade.No atendimento, Tone, o secretário do clube e Rosalvo o garoto faz tudo, atualmente ele vende nas ruas capa de bancos de carros. A cozinha era administrada pelo Antônio Padeiro, que entre os salgados servidos, o pastel de carne era o mais solicitado. Elogiado pelo João Cardápio, vigia do Banco Econômico, como o melhor da cidade. E ele, discreto, fazia o pedido de uma dúzia a ser servido seis de cada vez. Os garçons da concorrida freguesia eram: Kaola, Gerolino, Porfilio e Xisto.
Na outra ponta da festeira cidade, no salão do aeroporto arrendado por Hilton, de Augusto Surunga e Bigorrilho, de Delfino Teixeira e dona Sebastiana, a turma mais refinada ouvia o cantor e interprete Antônio Brasileiro, nosso Altemar Dutra almenarense e Pimba, Artur Simões, cancioneiros de bonitas vozes animavam em ambiente arejado, frequentado pela juventude mais abonada e de fino trato superior. É o que podia se chamar de sarau dançante, prestigiado pelo prefeito em segundo mandato, o popular Pepero, Peperino, Exúperio Alves Cangussu.
Toda esta narrativa são situações deduzidas ou adivinhadas por quem tem na lembrança o acontecimento fatídico na passagem de sábado para o amanhecer de domingo, de exatos 35 anos atrás.
O soldado Ozorino Soares junto com o companheiro de farda, soldado Psiu, Wilson, ambos à paisana. Por questão de hábito da profissão vinha a muito observando um moço estranho à comunidade, de compleição forte, 35 anos se tanto, rosto másculo e feições de poucos amigos, claro, roupas adequadas, calça e camisa social em peito aberto ostentava corrente grossa de ouro, pulseira no braço direito de igual peso e relógio Mondaine no pulso esquerdo; se destacava em altura na pista de dança pela altura de 1,90 metros, numa região em que 1,68 era uma altura respeitável.
Nos intervalos ficava sentado numa cadeira isolada de costas para a parede, entediado. Estava ali em busca de ilusão, mas que pouco a pouco os sonhos vão ficando pelo caminho. Dali ele se dirigiu até onde se encontrava um grupo de rapazes de pé ao lado de uma mesa, na varanda interna. Cumprimentou o barbeiro Edson, do salão 3 irmãos, onde se barbeava e dava gorjeta de dez cruzeiros, a azulzinha com estampa do Getúlio Vargas. Sua fama no comércio era de perdulário, sem referencia no pouco tempo, menos de um mês em sua andança, o que intrigava a força policial, ao consumir nos bares e restaurantes quantias acima da média, como se fosse dono do mundo.
Após conversar com alguns conhecidos de ocasião,se afastou e foi ao banheiro, sozinho. Cismado, só palpite, Ozorino e o companheiro Psiu combinaram em abordar o forasteiro no espaçoso banheiro. Antes fez um sinal característico para o Cabo Senhorinho, afastado em outra mesa.
Eram duas horas da manhã, quando se apresentaram ao individuo diante do espelho, identificando como policiais solicitou que o averiguado mostrasse seus documentos, o que ele obedeceu prontamente. Em seguida, no fazer a vistoria manual na cintura, Ozorino sentiu um volume duvidoso no bolso dianteiro da calça, tratava-se de uma penca de chaves de carros de diferentes marcas. No bolso traseiro foi retirado outrastrês carteiras de identidades com nomes diferentes.
Foi o bastante para ele receber ordem de prisão e ser conduzido discretamente no trajeto do salão, sem levantar suspeita do pessoal nas mesas. Em roupa social o cabo acompanhou a diligencia, seguindo logo atrás. Na rua, algemaram o suspeito e o agasalhou no banco traseiro do fusca. De posse dos documentos adulterados e as chaves comprometedoras, seguiu com o Psiu até o quartel para lavrar o BO. Às 03h30min da alta madrugada de domingo, os dois soldados, Eustáquio e Brinco, de nome Valdemir, que davam plantão na carceragem perceberam o ronco do fusca do cabo Senhorinho, juntos Psiu e Célio conduziu o detento à cadeia pública, no início da rua Bias Fortes com Imaculada Conceição. Tiraram-lhe as roupas, deixando-o só de cueca e sem as joias de ostentação. Inadvertidamente o cabo retirou as algemas, apesar de ser questionado para deixa-lo no corró, cubículo de averiguações; deixando-o solto no pátio vazio, na lateral interna de frente para as celas gradeadas sustentadas por colunas de concreto à vista dos demais encarcerados, uns 15 presos; sob a guarda do veterano Eustáquio, bonachão, comunicativo, cabelos lisos grisalhos antes do tempo, à vista na lateral da boina; bem casado com mulher bonita e pai de dois filhos; e de Brinco, apelido do zagueiro adquirido no time de futebol, magro, altura acima da mediana, lutador de artes maciais, os únicos carcereiros de plantão.
No vacilo, o crime.
A luz fosca da área de banho de sol mal dava para vislumbrar o semblante de quem espionava o movimento atrás das grades. O meliante, envergonhado com a situação passou a ouvir chacotas de um preso: - Acorda, gente, tem carne fresca no pedaço. Olha a cinturinha dela! Cuida aí para as muriçocas não maltratar esta bunda linda... O desgraçado, injuriado, recém-chegado da capital mineira, onde dizia ser a residência dele, notando que o soldado Brinco não estava presente no recinto, ele que tinha nome de poeta, William, mas dentro de si trazia o capeta encarnado, vendo que Eustáquio, fardado, se aproximava distraído, perguntando a ele se tinha parentes na cidade, nisso foi surpreendido ao ser pego pelo braço e ficar imobilizado com uma gravata sob o peso e a altura avantajada, ficou sem o revolver 38 – agora com o cano apontado para debaixo do queixo. Na tentativa inútil de se desvencilhar do brutamonte levou o tiro fatal.
Brinco que voltava do portão de saída da cadeia ao ouvir o estampido imaginou que o colega de farda tivesse atirado no detento. De arma solta no coldre deu de cara com o fugitivo diante da porta de saída do pátio, empunhando a arma de Eustáquio, caído logo atrás. Atracou-se com o assassino apertando mão no tambor e em seguida aplicou-lhe uma chave de braço, mas devido a pouca estatura e magreza ficou em desvantagem no corpo a corpo, possibilitando a manobra de braço do preso que atirou com a mão pra traz, acertando Brinco na barriga de lado das costelas, sentindo o impacto do tiro, de sangue fervendo ainda conseguiu atirar na palma da mão do fugitivo que o empurrou desequilibrado fazendo cair. O bandido recuperou o revolver no chão e correu para o portão - deitado no pátio Brinco ainda teve fôlego para disparar três tiros, dois acertou a parede e o outro atingiu de raspão a batata da perna do criminoso.
O soldado destemido vendo Eustáquio imóvel com sangue empossado no rumo da cabeça saiu trôpego, em busca de socorro próprio nas escadarias da entrada da cadeia. O jovem Aldeir Viana, funcionário da Telemig, que havia deixado a namorada em casa nas imediações, depois da festa no Mineirão, pilotava a moto Honda-250 quando notou à distancia, um homem de cueca descendo a rua Imaculada Conceição de arma à mão, puxando de uma perna. Em seguida, na virada da Bias Fortes percebeu um soldado rastejando nos degraus da cadeia pedindo ajuda. Aldeir de baixa estatura levantou o gancho de apoio da moto e pôs com dificuldade o soldado na garupa e desceu a rua até a esquina da Mobiliadora São Jorge, subindo a rua Hermano de Souza em curta distancia até o hospital Deraldo Guimarães. À pedido, ele voltou à cadeia pública onde encontrou Anizão, soldado reformado, vizinho, que havia escutado os tiros espaçados. Enquanto ouvia a narrativa atabalhoada dos presos e a constatação da morte do amigo estirado no chão, chegou com marcas de sangue nas costas, o jovem motociclista que saiu em disparada com a Incumbência de narrar o que viu ao comandante do quartel, lá encontrou o plantonista Dadá, soldado Sirlande Tavares, que anunciou o alerta de captura, em comunicado de rádio para a viatura fechar o cerco a partir da entrada da ponte. Caminho provável para a fuga do assassino. Os demais soldados dirigiram para a cadeia, dali seguiu a trilha dos respingos de sangue, mesmo com a tênue iluminação de rua deu para acompanhar a trilha no sentido da ponte, no termino da rua Imaculada o bandido virou à direita na esquina do bar do Zé da Cruz. Ele seguiu por esta atual rua Pery Ruas Tupy até encontrar uma manilha - um grande escoadouro de água de chuva com marca de mão ensanguentada, que dava perfeitamente para o individuo andar curvado, distante uns 50 metros até a proximidade do rio, bastante cheio naquele verão chuvoso. Ali, na boca do manilhão o pelotão policial de 20 soldados montou uma estratégia distribuindo cinco praças em quatro grupos, um deles foi direto para o rio, na saída das águas, os outros três grupos foram esparramando pela chácara do senhor Pery. Todos a postos foi feito um disparo na boca da manilha para provocar o eco e espantar o procurado caso se mantivesse escondido ali. Com auxilio de uma lanterna descobriu-se pelos rastros laterais que ele não se encorajou a usar o Jequitinhonha como rota de fuga.
Nesta granja beira rio era repleto de pés altos de coqueiros, o que facilitava a batida em terreno descampado com poucas árvores de pequeno porte. Os cinco policiais da guarnição do Dadá, o único que portava uma carabina seguia em linha curva Aeldo, Ademir, Romualdo, quando o cabo Olímpio, Biquim avistou se levantando debaixo de umas palhas de coqueiros, o malfeitor, William, atirando a ermo, enlouquecido, com o corpo coberto de formigas lava-pés. Foi um daqueles cercos em que você despeja todos os mais venenosos pensamentos que já teve. Toda a mágoa e raiva contidas, impulsionada pelo matraquear do tiroteio, disparado sem piedade no peito nu, sem mais com arma em punho.
Naquela várzea, no despertar silencioso do amanhecer, os pássaros em volta fizeram uma revoada antecipada. O sargento Maia, do outro grupo, vendo a cena não se conteve e disparou tiros de vivas para o alto, se aliviando. Por fim a lua mergulhou no horizonte e um pálido clarão surge sobre a copa das árvores, anunciando um novo dia. Pelas pernas e braços quatro soldadosiam se revezando até a antiga rua Monte Castelo, onde estava parada a saveiro do açougueiro Raimundo, testemunha do ocorrido, junto com Zé da Cruz, dono do bar, e Aécio Requeijão, um curioso.
No portão do cemitério, fechado, o açougueiro e um soldado de carona foram buscar auxilio do coveiro, em rua próxima para levar o morto até a mesa (foto), de frente para a capela mortuária.
Jesuíno, Zuino, vaqueiro de Hugo Ribeiro, recém casado, morador da Imaculada Conceição, assustado com que ouviu na manhazinha, não resistiu e foi ver mais tarde o defunto cravejado de balas, rosto desfigurado sob um sol escaldante, coberto de moscas que faziam a festa se deliciando com o sangue ressequido. Ele ficou surpreso da tamanha quantidade de curiosos, do entra e sai do cemitério. No dizer de Zuino, no calculo dele, jura que compareceu mais gente ali do que no fuzilamento do Negão, pistoleiro, de orelha cortada, velado no chão da antiga cadeia pública. A mesma cena de terror macabro no inicio dos anos 60.
Na mesma manhã de domingo, 10 de março, o corpo do soldado Eustáquio foi levado pela família para ser enterrado com dignidade no distrito de Mata Verde. O soldado Brinco, por precaução foi se recuperar da bala que vazou as costas ferindo sem gravidade as costelas. A ficha corrida, extensa, passada por Sedex, dava conta que o forasteiro era fugitivo da penitenciária Dutra Ladeira, condenado por assalto, vadiagem e o assassinato de um médico bioquímico, em Belo Horizonte.
No meio da tarde, para evitar mais aglomeração, ele, o infusado, foi enterrado em cova rasa, sem caixão, sem numero de sepultura, nem reza, apenas jogado de bruços na 'terra do silêncio'.
(Texto copiado no grupo dos Veteranos de Almenara - Sgt Marcos Silva - Whatsapp - 25/01/2025)
TEXTO DE SILVINO PATENTE NETO
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