domingo, 22 de março de 2009

Seios fartos: a nova preferência nacional?

19/03/2009 - 16:23 - Atualizado em 20/03/2009 - 21:45
Seios fartos: a nova preferência nacional?
Pela primeira vez, as cirurgias de implante de silicone ultrapassam as de lipoaspiração no Brasil. Entre as razões está uma nova estética feminina
Martha Mendonça e Fernanda Colavitti
Shutterstock
MODELO AMERICANO
O silicone era coisa de atriz e manequim. Hoje, ele invadiu a classe média, que segue o modelo da mulher americana

“Parece que estão vendendo silicone na feira.” A frase jocosa foi dita recentemente pela apresentadora de TV Adriane Galisteu. A realidade, descrita por uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, é pouco mais sóbria, mas vai na mesma direção: pela primeira vez no país, os implantes de silicone tomaram a dianteira no ranking das cirurgias estéticas, passando à frente das lipoaspirações. Do total brasileiro de 629 mil plásticas por ano, 96 mil são para aumento de mamas, 5 mil a mais que as de lipoaspiração. O silicone não é vendido na feira, mas um número crescente de brasileiras estão ficando peitudas. Entre as razões por trás da multiplicação de mamas G e GG, três se destacam: a facilidade de pagamento das operações, uma nova estética americanizada e a maior segurança cirúrgica no implante. Juntas, essas novas circunstâncias fizeram com que o silicone, que antes era coisa de atriz e modelo, invadisse a classe média e atiçasse o desejo das mulheres de todas as classes e idades.

A estudante paulista Bruna Medeiros fez 20 anos no mês passado e passou o aniversário turbinada. O pai e as duas irmãs se juntaram para presenteá-la com o implante de 300 mililitros, que custou R$ 6 mil e foi pago em três parcelas. Era um desejo dela desde os 14 anos. “Eu sempre dizia que, se tivesse dinheiro, já teria feito antes. Estou me sentindo bem demais”, afirma. Trinta anos mais velha que Bruna, a psicóloga carioca Terezinha Moura, casada, uma filha, também comemorou o aniversário com novo tamanho de sutiã. Aos 50 anos, ela se deu um implante de silicone. Seus seios tinham, em suas próprias palavras, “aparência de ovo frito”. Foi ao médico e colocou 255 mililitros de cada lado. Pagou cerca de R$ 8 mil, divididos em 12 vezes. “Foi o maior investimento que já fiz”, afirma.

Está claro que o fenômeno é geral e atinge mulheres dos 20 aos 50, pelo menos. Mas o que há por trás dele? A antropóloga Liliane Brum Ribeiro diz que existe uma ligação entre a cirurgia plástica e a construção do modelo de feminilidade. Em sua tese de doutorado, na Universidade de Santa Catarina, ela foi a campo entrevistar mulheres de todas as idades e classes sociais que fizeram intervenções. Entre os discursos sobre a decisão de mudar o corpo, ela ouviu que os peitos são o maior diferencial entre os gêneros. “Uma das moças pesquisadas me disse que ‘bumbum todo mundo tem, mas seios, só as mulheres’. É uma forma de ressaltar quanto se é feminina. Isso constitui um valor fundamental nos dias de hoje”, diz. Algumas mulheres chegam ao êxtase com o aumento da mama. A atriz Sthefany Brito, de 21 anos – conhecida como a noiva do jogador de futebol Alexandre Pato –, depois de avolumar o visual com 220 mililitros nos seios, declarou à imprensa que “berrou de felicidade” ainda na cama do hospital.

96 mil
brasileiras colocaram silicone em um ano

Quando essa forma de ressaltar a feminilidade tornou-se socialmente perceptível, no início dos anos 1990, era preciso coragem para enfrentar os bisturis. As próteses usadas eram as chamadas “lisas”. O gel interno era quase líquido e a tendência era de a membrana que o revestia, muito fina, romper. Complicações eram comuns. Uma das maiores era a contratura capsular, o famoso enrijecimento do silicone, que fazia a membrana estourar. “As próteses lisas deixavam as pacientes descontentes. Era preciso mexer toda hora”, diz o cirurgião plástico carioca Luiz Haroldo Pereira, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Em meados da década de 1990, vieram as próteses texturizadas e as revestidas de poliuretano, que, segundo os médicos, têm índices de contratura de 5%. “Atualmente, usamos de cinco a seis membranas de revestimentos e o silicone é bastante coeso. Mesmo se a prótese furar, não vai derramar nenhum líquido”, afirma Pereira.

A evolução dos recursos de diagnóstico também deu mais segurança a quem quer fazer implante. Até alguns anos atrás, o silicone atrapalhava a detecção precoce do câncer no seio. Hoje, com a ressonância magnética, isso não acontece. “Na maioria das vezes, a prótese é colocada debaixo do tecido mamário, não submuscular. A mama fica mais para a frente e, possivelmente, há ainda mais facilidade de se sentir um nódulo mais denso”, diz Ângela Carvalho Maximiano, cirurgiã plástica do Instituto Nacional do Câncer (Inca).

Custo facilitado e segurança maior, no entanto, não valeriam nada se não fosse a mudança do desejo feminino. Nos últimos 12 anos, segundo a SBCP, os implantes quadruplicaram, resultado de um vagaroso processo de mudança de padrão ocorrido nas décadas anteriores. Do modelo morena-farta-de-bumbum-grande-e-peito-pequeno, que construiu mitos como Sônia Braga, Claudia Raia e Valéria Valenssa, a Globeleza, as mulheres passaram a almejar seios grandes e cabelos claros num corpo cada vez mais magro. “As mulheres não querem mais ficar com a mama desproporcional ao quadril”, diz o atual presidente da SBCP, José Tariki. Segundo ele, há dois perfis crescentes: mulheres entre 30 e 40 anos que querem recompor o volume, depois da gravidez, e adolescentes de 17, 18 anos que não tiveram a mama desenvolvida.

Autora do livro Corpo a corpo com a mulher: pequena história das transformações do corpo feminino do Brasil, a historiadora Mary Del Priore destaca dois acontecimentos que contribuíram para construir o novo padrão. Primeiro, a invasão da Barbie no Brasil, nos anos 80. Com ela veio o modelo de corpo americano, com cintura fina e peitão, formando a estética das meninas. Ao mesmo tempo, a difusão do body building, que começou com os vídeos de ginástica de Jane Fonda, trouxe a noção de que o corpo feminino era algo que poderia ser construído. “Estamos vendo a americanização do corpo da mulher brasileira”, afirma a historiadora.

Seios fartos: a nova preferência nacional?
Pela primeira vez, as cirurgias de implante de silicone ultrapassam as de lipoaspiração no Brasil. Entre as razões está uma nova estética feminina
Martha Mendonça e Fernanda Colavitti
Fotos: Renato Stockler/Na Lata
DOS 20 AOS 50
A estudante Bruna Medeiros, acima, de 20 anos, ganhou uma prótese da família. A executiva Danielle Medeiros (sem parentesco com Bruna), de 43, pôs silicone depois da separação

No fim dos anos 90, surgiu o derradeiro motivo para a explosão do silicone à brasileira: Gisele Bündchen foi alçada à condição de übermodel, algo ainda maior que supermodelo. Loura, magérrima e com grandes seios, ela virou sinônimo da beleza globalizada. E popular. Exemplo: o Big brother, o reality show anual da TV Globo. As mulheres já entram na casa munidas de um respeitável par de peitos. Artificiais, claro. Uma das mais populares participantes do programa, a ex-sacoleira Íris Stefanelli, contou que vendeu tudo o que tinha e “pulou” várias refeições para pagar a cirurgia e entrar no programa turbinada.

A popularização da cirurgia plástica, incluído o aumento da mama, levanta questões gerais sobre a relação entre beleza e classe social, diz o antropólogo americano Alexander Edmonds. Atualmente na Universidade de Amsterdã, na Holanda, ele pesquisou o aumento das cirurgias plásticas no Brasil durante os primeiros anos deste novo século e acompanhou a chegada do silicone à classe média. “As classes média e baixa adotam as tendências da moda da classe alta, tentando reduzir a distância social”, escreve em seu artigo “Nu & vestido”.

O fenômeno não é apenas brasileiro. Na Venezuela, os implantes triplicaram em dez anos – são 35 mil por ano. É três vezes menos cirurgias que no Brasil, numa população que é quase oito vezes menor. O presidente da Sociedade Venezuelana de Cirurgia Plástica, Reinaldo Kube, diz que as venezuelanas agora pedem implante nos seios como presente de 15 anos. “As próteses são símbolo de status e são cada vez maiores. As mais pedidas são de 350 mililitros”, afirmou. No quesito tamanho de prótese, as brasileiras são campeãs. A capixaba Sheyla Almeida Hershey, de 29 anos, desbancou a argentina Sabrina Sabrok ao colocar 5 litros e meio de silicone em cada seio. A primeira cirurgia de Sheyla, realizada no Brasil, foi transmitida em um reality show da rede de TV americana CBS.

E os homens, gostam? O sexólogo e psicanalista Marcos Ribeiro diz que sim. Titular de um programa sobre sexo em cadeia nacional, na Rádio Globo, ele estima ter 100 mil ouvintes por minuto. “Quando o assunto é silicone, o ouvinte dá muito retorno. E os homens sempre dizem que gostam da ‘mulher preenchida’. E quanto maior melhor”, afirma. Ribeiro liga a preferência masculina pelos seios grandes à imagem da mãe. “O seio é o retrato da maternidade. Muitos dizem que gostam de poder encostar a cabeça num peito grande, numa alusão ao aconchego materno”, diz.

O marido é fator primordial na decisão feminina. Quem diz isso é o cirurgião plástico carioca Anselmo Lofego. “Quando o marido não aprova, são raras as que vão adiante. E os homens estão dando força”, afirma. A executiva paulistana Danielle Medeiros, de 43 anos, só fez o implante depois de se separar porque o marido não deixava. “Era uma mistura de ciúme, zelo e pão-durismo”, diz. Ela queria de volta os seios que teve durante as duas vezes em que engravidou. “O resultado é maravilhoso. Mudei minha vida, e o silicone foi parte desse pacote”, diz. Já a esteticista Jaqueline Marques, de 42, teve mais que o incentivo do marido. “Meus seios sempre foram pequenos, e ele sempre elogiava os peitos grandes das famosas que apareciam na televisão”, afirma. Há quatro anos, quando retirou um nódulo, Jaqueline foi convencida pelo parceiro a colocar uma prótese de 280 mililitros. “Ele ficou louco. Quando eu voltei do hospital, ainda inchada, ele já queria me tocar.” Apesar da invasão dos superseios, e da reação positiva dos homens, basta seguir os olhares masculinos na rua para perceber que bumbuns continuam importantes. A pergunta, diante da crescente importação de valores estéticos, é inevitável: até quando?

As motivações para aumentar os seios
Pela primeira vez, as cirurgias de implante de silicone ultrapassam as de lipoaspiração no Brasil. Entre as razões está uma nova estética feminina
Martha Mendonça e Fernanda Colavitti
As motivações para aumentar os seios
A maioria das brasileiras coloca cerca de 250 mililitros de silicone
Daniela Conti FERNANDA VASCONCELLOS
190 ml
A atriz Fernanda Vasconcellos disse que sentia insatisfação com o tamanho dos seios. Ela afirma que, depois da operação, seu corpo ficou mais “harmonioso”. Mesmo adequada, os riscos são os mesmos de qualquer outra cirurgia: hematomas e infecções
Paulo Alvadia XUXA
220 ml
A maioria das brasileiras não quer exagero, a média é de 255 mililitros. Um motivo frequente para dar uma turbinada é a perda do volume dos seios depois de amamentar, caso da apresentadora Xuxa Meneghel
Felipe O'Neill GRACYANNE BARBOSA
450 ml
Agradar ao parceiro também é motivo para aumentar os seios. A dançarina Gracyanne Barbosa diz que atendeu ao pedido de seu ex-marido. Se a estrutura física não for adequada ao volume de silicone, podem surgir problemas de coluna
Ricardo Medeiros SHEILA ALMEIDA
5,5 litros
A modelo Sheyla Almeida tem 5,5 litros de silicone em cada seio. A motivação? Entrar para o Guiness Book. Nenhuma estrutura óssea suporta esse peso. Ocorre desgaste das articulações, distensão da pele, degeneração nos ossos e vértebras

Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI64755-15257-3,00-SEIOS+FARTOS+A+NOVA+PREFERENCIA+NACIONAL.html