segunda-feira, 30 de agosto de 2010

DELEGADO NÃO RATIFICA FLAGRANTE DE M5 E AUTUA POLICIAIS MILITARES EM ALMENARA-MG


DESPACHO NÃO RATIFICADOR DE AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE


Versa a presente prisão em flagrante sobre o acontecimento de crime verificado na data de 27 de julho de 2010 na cidade de Rio do Prado/MG, onde figura como conduzido o senhor x, com domicílio na cidade de xxxxxxx/BA. Segundo consta dos autos o mesmo nada data citada se encontrava, aparentemente hospedado, no endereço Rua h, n. xxxx, bairro xxxx, cidade de Rio do Prado/MG, residência pertencente à pessoa de xxxx e local onde foi preso. Certo é que, policiais militares da cidade supracitada na data de hoje promoveram busca e apreensão no endereço da senhora xxxxx, com a justificativa de combater o tráfico de drogas e encontraram certa quantidade de substância entorpecente, dinheiro e outros objetos pertencentes, supostamente, à pessoa de conduzido xxxxxxxxxxxxxxx. Foram trazidos esses até a Delegacia de Polícia de Almenara/MG e após a efetiva entrega do BOPM foi dado início à confecção desse auto de prisão em flagrante, onde todos foram ouvidos. Das declarações tomadas nesses autos vislumbram-se as seguintes afirmações. Ouvidos os militares, esses asseveram que realizaram durante longo lapso temporal a investigação e monitoramente do conduzido, ressaltando-se que de forma indevida uma vez que não é atribuição da Polícia Militar realizar trabalho investigativo mediante policiamento velado vulgarmente conhecido com P2 ou qualquer outro meio, e na data de hoje realizaram também uma busca e apreensão na residência da conduzida xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx onde arrecadaram os objetos que constam do BOPM acostado aos autos. Os mesmos milicianos são incisivos ao afirmarem que presenciaram a grande movimentação de pessoas na residência alvo da atuação dos militares, no entanto, a proprietária do imóvel e o próprio conduzido negam peremptoriamente tal acontecimento, todo conforme se vislumbra em suas declarações às folhas do auto. 
A afirmação de que os milicianos realizaram investigações durante vários dias mediante policiamento velados na cidade Rio do Prado/MG é confirmada pelos próprios em suas oitivas. “Que, desde o dia 22/07/2010 o declarante vem recebendo informações ..., ... Que determinou que seus policiais fizessem um “policiamento velado” na tentativa de apurar se realmente a traficância acontecia no local da denúncia ...” (Sgt. xxxxxxxxxxxxx às fls. 02) “Que o sargento então determinou que o depoente e outros colegas fizessem um policiamento velado para averiguar a veracidade das denúncias ..., ... Que o policiamento velado continuou durante todos os dias até a presente data, sendo que ontem, ficaram sabendo que xxxxxxxx já estaria alojado na residência da pessoa de xxxxxxxxxxxxxxxx.” (Sd. xxxxxxxxxxxxx às fls. 04) Já a realização da busca na casa da conduzida xxxxxxxxxxxxx também é afirmada pelos mesmo. Senão vejamos: “... o declarante resolveu entrar no imóvel onde estava o traficante xxxxxxxx e acabou por prendê-lo ..., ... Que xxxxxxxxxxxx estava na casa durante a prisão de xxxxxxx, mas o declarante não chegou a pedir permissão para entrar em sua casa.” (Sgt. xxxxxxxxxxxxxxxx às fls. 03) “... o sargento xxxxxxxxx achou por bem entrar no imóvel de xxxxxxxxxxx para prender xxxxxxxx; Que ao adentrarem no imóvel os policiais surpreenderam xxxxxxxx ainda na sala ..., ...Que o sargento xxxxxxx não chegou a pedir permissão a xxxxxxxxxxxxx para entra  no imóvel, também não o fez o depoente e seus colegas de trabalho.” (Sd. xxxxxxxxxxxxx às fls. 04) Dentro desse contexto, vale ressaltar que a atuação dos militares foi realizada após terem efetuado contato telefônico com a Autoridade Policial subscritora e terem informado a essa sobre as suspeitas de estar ocorrendo o tráfico ilícito de entorpecentes no local onde foi realizada a busca supracitada.  
Certo é que, nesse momento os militares de Rio do Prado/MG foram informados sobre a necessidade de observância de certos ditames legais. Pois, a par da ilicitude de qualquer conduta que esteja sendo praticada, devem sempre ser obedecidos os requisitos legais para realização de certas atividades policiais, notadamente no que diz respeito ao cerceamento do direito constitucional de inviolabilidade do domicílio, daí a necessidade de se buscar a devida autorização judicial para tanto. E a presente autoridade prontificou-se a efetuar a representação devida pelo mandado de busca, tão logo fossem enviadas informações mínimas sobre o caso. Tal fato é confirmado pelas declarações dos militares. “Que afirma que nesta data, por volta da 08:00 hs, o declarante pediu ao Sd. xxxxxxxxxxx que fizesse contato com o Delgado, não sabendo o nome do mesmo, relatando sobre os fatos e pedindo ao mesmo para providenciar um mandado de busca e apreensão; Que o Sd. xxxxxxxx disse ao declarante que o Delgado pediu que fizessem um BOPM sobre o tráfico de drogas e somente após isso ele providenciaria o mandado, ...” (Sgt. xxxxxxxxxxxxxxx às fls. 03) “Que nesta data, por volta das 08:00 hs, o Sd. xxxxx telefonou para um Delegado do qual não sabe o nome, perguntando sobre a possibilidade de conseguir um mandado de busca e apreensão na residência de xxxxx; Que, segundo xxxxxxx, o Delegado pediu para ser confeccionado um BOPM com dados dos traficante para representar no sentido de conseguir o mandado ...” (Sd.xxxxxxxxxxxxx às fls. 04) 
Assim vislumbra-se que mesmo cientes do que deveria, juridicamente ser feito, os militares ao arrepio da lei agiram conforme bem entenderam, realizaram a busca sem mandado e adentraram na residência da conduzida xxxxxxxxxx sem a devida autorização legal, judicial e da moradora. Não se trata de má interpretação da lei, ou até mesmo de desconhecimento do texto legal. Percebe-se, claramente, a indiferença dos envolvidos. O contato telefônico foi realizado e mesmo com a ordem expressa da Autoridade Policial para que não fosse realizada a invasão, a conduta foi adotada, violando, de maneira nítida o texto legal. È o resumo dos fatos no necessário. Passou à análise do caso. No contexto onde se encontram os fatos algumas considerações devem ser feitas. Houve a efetiva arrecadação de certa quantidade de substância entorpecente, conforme se comprova no BOPM sob n.º 603/10. Ressalvando-se o fato de negarem a senhora xxxxxxxxxx e o conduzido xxxxxxxxxxxxxxxxx que tais objetos foram encontrados na residência dessa, mas tal arrecadação foi realizada ao arrepio de toda legislação existente em nosso ordenamento jurídico. Ressalta-se primeiro o fato de mais uma vez ter ocorrido uma prática nefasta ao desenvolvimento de atividades afetas à prestação do serviço de segurança pública, salvo melhor juízo, qual seja, a USURPAÇÃO DE FUNÇÃO PÚBLICA por policiais militares quando desenvolvem atividades investigativas sem a devida autorização legal, jurisprudencial e doutrinária. Isso porque, é verdade sabida o fato de que a função de apuração de crimes comuns, dos quais ficam excluídos os crimes militares próprios, em palavras claras é atribuição afeta às polícias judiciárias dessa república. No caso em tela, a Polícia Civil de Minas Gerais já que o delito estava sendo praticado na cidade de Rio do Prado/MG. Vale informar que tal atribuição não é fruto de uma suposição jurídica ou forçosa interpretação hermenêutica, a mesma está gravada a claras e objetivas letras em diversos instrumentos normativos plenamente vigentes em nosso ordenamento  
O primeiro deles nada mais é do que Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 144, §4º, senão vejam: “Art. 144 – (...)
§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.” (CR/88) Determinação semelhante é exarada pela Constituição do Estado de Minas Gerais em seu artigo 136, caput. “Art. 139 - À Polícia Civil, órgão permanente do Poder Público, dirigido por Delegado de Polícia de carreira e organizado de acordo com os princípios da hierarquia e da disciplina, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração, no território do Estado, das infrações penais, exceto as militares, e lhe são privativas as atividades pertinentes a: ...” (CE/MG) Por fim, tais determinações constitucionais são regulamentadas pela lei estadual 5.406 de 16 de dezembro de 1969 em seu artigo 4º, inciso IV. “Art. 4º - Observadas as normas específicas e a competência da União, a Polícia Civil tem por objetivo, no território do Estado, o exercício das funções de: I - proteção à vida e aos bens; II - preservação da ordem e da moralidade pública; III - preservação das instituições político-jurídicas; IV - apuração das infrações penais, exercício da polícia judiciária e cooperação com as autoridades judiciárias, civis e militares, em assuntos de Segurança Interna.” (Lei 5.406/69).
Assim sendo, não pairam dúvidas sobre a quem efetivamente é atribuída a função de atividade investigativa em nosso ordenamento jurídico. Partindo-se do princípio de que na lei não existem palavras inúteis, se nos diversas espécies normativas está declinada a competência investigativa de crimes comuns à polícia judiciária não pode ser tolerada a realização de tal atividade por outra instituição policial, sob pena de estarmos esvaziando o sentido da norma e uma de suas características mais importantes, qual seja, (capacidade de infligir, no contexto social ao qual está inserida uma lei, todos os efetivos jurídicos para que se destina). Lado outro, através de uma simples análise de toda a legislação vigente, não se vislumbra em nenhuma de suas linhas autorização para a instituição militar dessa unidade federativa promover a investigação de crimes comuns, sendo que a ela está determinado a realização de atividades outros como policiamento ostensivo e de caráter preventivo.
“ Art. 144 – (...) § 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.” (CR/88) “Art. 142 – (...) I - à Polícia Militar, a polícia ostensiva de prevenção criminal, de segurança, de trânsito urbano e rodoviário, de florestas e de mananciais e as atividades relacionadas com a preservação e restauração da ordem pública, além da garantia do exercício do poder de polícia dos órgãos e entidades públicos, especialmente das áreas fazendária, sanitária, de proteção ambiental, de uso e ocupação do solo e de patrimônio cultural;” (CE/MG)
Logo, tal prática que é tida como corriqueira em nosso Estado deve ser vedada peremptoriamente, pois por falta de amparo legal, tal agir vem carrear a toda prova colhida nesse contexto o caráter de ilegitimidade impossibilitando a efetiva comprovação por meios lícitos e previstos na legislação vigente para que sejam efetivamente imputadas práticas ilícitas a determinadas pessoas. Ainda quanto à busca e arrecadação realizada no caso em tela, vê-se a mesma pecha de ilegalidade. È fato notório o direito constitucional de todos de inviolabilidade de seu domicílio, conforme descrito está no artigo 5º, inciso XI da Constituição Federal. Logo, em não ocorrendo nenhuma dos permissivos descrido no próprio texto constitucional, faz-se necessária a devida autorização de quem de direito. 
Não se deve limitar a discussão à efetiva arrecadação dos entorpecentes, isso porque não podemos resumir a atividade estatal a uma “roleta russa”. A lei não permite o ingresso sem a autorização judicial, o ingresso arbitrário, pautado no tirocínio policial e na dedução, mesmo que logre êxito, não pode ser aceito. Interpretar de forma distinta, seria admitir o caos no ordenamento, isso porque uma conduta inicialmente ilegal tornar-se-ia legal por um resultado naturalístico. Por derradeiro a realização de atividade invasiva sem a devida salvaguarda legal, mancha de ilegalidade qualquer resultado decorrente dessa prática.
Pior será acatar como válidos todos os desdobramentos probatórios decorrentes do resultado da busca domiciliar, fenômeno que gerará certamente no curso processual o surgimento das conseqüências da clara figura jurídica da teoria dos frutos da árvore envenenada (“The fruit of the poisonous tree"), sobre o tema já exararam entendimento os tribunais. “HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO FISCAL, LAVAGEM DE DINHEIRO E CORRUPÇÃO. DENÚNCIA ANÔNIMA. INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL. POSSIBILIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. IMPOSSIBILIDADE. PROVA ILÍCITA. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. NULIDADE DE PROVAS VICIADAS, SEM PREJUÍZO DA TRAMITAÇÃO DO PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. Hipótese em que a instauração do inquérito policial e a quebra do sigilo telefônico foram motivadas exclusivamente por denúncia anônima. 2. "Ainda que com reservas, a denúncia anônima é admitida em nosso ordenamento jurídico, sendo considerada apta a deflagrar procedimentos de averiguação, como o inquérito policial, conforme contenham ou não elementos informativos idôneos suficientes, e desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado. Precedente do STJ" (HC 44.649/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ 8/10/07). 3. Dispõe o art. 2°, inciso I, da Lei 9.296/96, que "não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando (...)  não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal". A delação anônima não constitui elemento de prova sobre a autoria delitiva, ainda que indiciária, mas mera notícia dirigida por pessoa sem nenhum compromisso com a veracidade do conteúdo de suas informações, haja vista que a falta de identificação inviabiliza, inclusive, a sua responsabilização pela prática de denunciação caluniosa (art. 339 do Código Penal). 4. A prova ilícita obtida por meio de interceptação telefônica ilegal igualmente corrompe as demais provas dela decorrentes, sendo inadmissíveis para embasar eventual juízo de condenação (art. 5º, inciso LVI, da Constituição Federal). Aplicação da "teoria dos frutos da árvore envenenada".” (STJ – HC 64096/PR-HABEAS CORPUS-2006/0171344-7) (grifo nosso).
Assim sendo, tendo em vista todas as irregularidades apontados no caso em tela promovida pelos policiais militares, no intuito de não referendar arbitrariedades e malversação de atividades policiais, salvo melhor juízo DEIXO DE RATIFICAR A PRISÃO DOS CONDUZIDOS determinando ao Senhor Escrivão de Polícia que autue e registre este A.P.F.D., adote as seguintes diligências:
01 - - Oficie ao MM. Juiz de Direito, instruído com cópia do A.P.F.D.
02 - Proceder a real apreensão dos objetos arrecadados no BOPM.
03 - Expeça guia para realização de exame mercelógico dos bens apreendido, enviando-os ao Instituto de Criminalística para a realização do referido exame pericial.
04 - Expeça guias para realização de exame toxicológico de constatação e definitivos nas substâncias apreendidas, enviando-as ao Instituto de Criminalística para a realização do referido exame pericial.
05 – Intime e ouça xxxxxxxxxxxxxxx e xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.
06 – Expeça-se Ordem de Serviço à Inspetoria de Investigadores para que seja melhor apurado o fato, notadamente para que sejam localizadas testemunhas outras que vislumbraram ou tiveram conhecimento das atividades ilícitas praticadas pelos investigados. 
07 – Junte aos autos a FAC doe autuados xxxxxxxxxxxxxxx e xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.
08 – Extrai-se cópia dos autos e lavre-se em desfavor da xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx TERMO CIRCUNSTANCIADO DE OCORRÊNCIA pela prática do crime descrito no artigo 28 da Lei 11.343/2006.
09 – Extrai-se cópia dos autos e lavre-se TERMO CIRCUNSTANCIADO DE OCORRÊNCIA em desfavor de todos os militares que participaram das atividades de policiamento investigativo, indevido, denominado “policiamento velado” conforme consta do BOPM603/2010, 601/2010, 586/2010, 590/2010 e 581/2010, conforme cópias que seguem em anexo, pela prática do delito descrito no artigo 328 do Código Penal Brasileiro.
10 - Extrai-se cópia dos autos e lavre-se TERMO CIRCUNSTANCIADO DE OCORRÊNCIA em desfavor de todos os militares que participaram das atividades, conforme consta do BOPM603/2010, 601/2010, 586/2010, 590/2010 e 581/2010, conforme cópias que seguem em anexo, pela prática do delito descrito no artigo 3º, “b” da lei 4.898/65, “abuso de autoridade”.
11 – Oficie-se ao MM Juiz e Ministério Público da Comarca sobre a prática de conduta investigativa indevida, solicitando a tomada de providência no intuito de vedar tal prática.
Após, voltem-me os autos conclusos.

CUMPRA-SE.


Almenara/MG, 27 de julho de 2010.

JORGE LUIZ CÂNDIDO CALDEIRA
Delegado de Polícia Classe I - Masp 1.238.021-8
AUTORIDADE POLICIAL 
Fonte: Comunidade PMMG - Orkut
http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=662216&tid=5510858841411459597&na=4&nst=1&nid=662216-5510858841411459597-5510860722607135245

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