Conflito sem mocinhos e bandidos deixou marcas na população vietnamita
Luiz Cesar Pimentel, Do R7
Luiz Cesar Pimentel/R7
Le Minh Quang, de 60 anos, vitnamita e condutor de riquixá. Quang ajudou os americanos e hoje nem consegue tirar passaporte
Passeava
tranquilo em um riquixá(transporte semelhante a um taxi) em Ho Chi Minh
City – antiga Saigon, ainda como capital do Vietnã do Sul–, quando o
condutor para e me pede um favor. Le Minh Quang, de 60 anos (foto), tira
um papel amarrotado de baixo do banco da bicicleta que traciona o
veículo e pergunta se posso entregá-lo em alguma embaixada
norte-americana pelo mundo.
Quang não sabe o que é a guerra do Vietnã, que o resto do mundo conheceu principalmente por filmes como Apocalypse Now, Platoon, O Franco Atirador e Americano Tranquilo. O que ele vive, mais de 30 anos após o final do conflito, é o que é conhecido no país como a guerra Americana.
Na
guerra do Vietnã, que completa teoricamente 50 anos neste 14 de
dezembro – data em que o então presidente John Kennedy determinou a
intensificação do envio de tropas ao país –, pouco mais de 58 mil
soldados (norte-americanos) morreram no conflito.
Na
guerra Americana - a que nosso amigo do riquixá conhece - 1,2 milhão de
soldados morreram e as estimativas apontam que quatro milhões de civis
foram mortos ou feridos. O sexagenário entra em outra conta, a das
pessoas que sofrem consequência até hoje.
Antes,
vale dar uma resumida no que foi a guerra. Começou quando o Vietnã
decidiu declarar independência da França, ao final da Segunda Guerra, em
1945. A colônia amargou nove anos de batalha até vencer e assinar um
acordo, que dividia o país em dois – norte comunista e sul capitalista.
Os
EUA coçaram as orelhas, viam ali uma possibilidade de avanço do lado
vermelho na Guerra Fria que travava contra a então União Soviética e em
1961, no primeiro ano do governo Kennedy, após três revezes – perda da
soberania na questão cubana, construção do Muro de Berlim e perda na
disputa fria no Laos -, o presidente decidiu que era hora de apontar os
canhões para o Vietnã.
Na
prática, foi simulado um ataque a navio norte-americano quatro anos
depois para “legitimar” o envio pesado de tropas para o país – no total,
3.140.000 soldados dos EUA foram para o Vietnã para defender o Sul do
país, alinhado em posição política. Tudo contra os vietcongs (acrônimo
de Viet Nam Cong Sam, comunistas vietnamitas traduzindo).
Destroços de tanque e outras armas são verdadeiros pontos turísticos no Vietnã (Luiz Cesar Pimentel/R7)
Nosso
personagem morava no sul e foi motorista da embaixada dos EUA durante o
conflito. Ele e todos os que participaram aliados às tropas americanas
sofrem represálias eternas. O papel que me entregou autorizava sua
imigração para os EUA, mas o governo vietnamita nega emissão de
passaporte e até mesmo que ele pratique alguma atividade econômica que
não seja informal.
Assim,
no dia seguinte ao final do conflito, médicos, engenheiros, não
importava a formação, foram impedidos de exercerem as aptidões
profissionais e a moeda do país foi unificada na proporção de 500 para
1. Em favor do norte, claro. Esse fato deixou todos que guardavam
qualquer coisa em espécie miseráveis da noite para o dia.
Nos
anos anteriores a isso, foi deixado um rastro de desgraça no país e
afetou as populações locais independente das suas posições políticas. As
selvas do país foram banhadas com 73 milhões de litros de agentes
químicos (agentes laranja, azul e branco), para desfolharem a mata e
assim as batalhas fossem travadas em terreno aberto. Os químicos
acabaram com 16% da vegetação vietnamita e deixaram agentes tóxicos no
solo que são encontrados até hoje em amostras de leite materno de mães
nas áreas mais afetadas.
Devido
à contaminação é enorme a quantidade de crianças com defeitos
congênitos. Estima-se em 500 mil as crianças com problemas nascidas após
o final do conflito. Fui visitar um hospital em Ho Chi Minh, Tu Du, que
trata de muitas dessas, e a enfermeira-chefe foi taxativa: “o custo é
muito alto para comprovarmos cada caso. Um dos exames necessário não sai
por menos de mil dólares. E temos que usar tudo o que temos para cuidar
das crianças. Nossa convicção vem do fato de que praticamente todas as
crianças que recebemos vêm de áreas muito atingidas durante a guerra”,
afirmou Truóng Thi Tem.
Na
zona onde foi dividido o país, um cinturão 5 km acima e abaixo do rio
Ben Hai, na chamada zona desmilitarizada, o rastro de bombas não
detonadas e minas terrestres é enorme. Muitos se aventuram a caçá-los,
para venderem para o governo, o que gerou mais cinco mil mortes nos anos
seguintes ao término da guerra.
Turismo
local também se aproveita do conflito. Nas agências locais, os
programas de visita aos palcos da guerra são anunciados aos montes – os
200 km de túneis subterrâneos nas matas, o delta do rio Mekong e até
passeios para atirar com os armamentos usados à época.
Museus
também se aproveitam da guerra. Estes tiveram que se adaptar à nova
realidade depois de os EUA retirarem o embargo econômico ao país, em
1994, e reatarem relações diplomáticas no ano seguinte.
O
mais famoso de Ho Chi Minh City, que era o Museu dos Crimes de Guerra
Norte-Americano, virou Museu das Reminiscências de Guerra. Nele não
conta que os norte vietnamitas romperam o acordo de cessar-fogo assinado
em troca da retirada das tropas dos EUA do país em 1975 (acordo fora
firmado em 1973) e tomaram a capital Saigon, atualmente Ho Chi Minh
City. Entretanto o museu exibe com estardalhaço as oito medalhas por
bravura que o sargento William Brown, dos EUA, enviou em 1º de junho de
1990 com a seguinte mensagem: “Para as pessoas do Vietnã unido: eu
estava errado. Eu peço desculpas”.
Mais de 200 km de túneis foram contruídos durante a guerra para
proteger as forças comunistas e hoje são visitados por turistas (Luiz
Cesar Pimentel/R7)
Dez coisas que você não sabia sobre a Guerra do Vietnã
Nick Ut/AP
A Guerra do Vietnã também detém um recorde negativo sobre o uso
de armas químicas, hoje banidas pelas convenções de Genebra (que
estipulam as regras para crimes de guerra). Mais de 400 mil toneladas do
líquido inflamável foram jogadas em operações que varreram cerca de 20%
da mata nativa do país. O uso indiscriminado de napalm acabou sendo
justificado pelo grande número de baixas entre os soldados americanos
por causa da dificuldade em combater os vietcongues (soldados
vietnamitas do norte) em meio à mata fechada. Segundo documentos
atualizados do governo americano, o napalm foi apontado como o “pior
medo” dos combatentes do lado comunista, e há relatos sobre batalhões
inteiros de combatentes inimigos que se renderam após a mera visão de
aviões americanos sobre a floresta.
Veja as demais fotos aquí:
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