quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Cinquenta anos depois do início da guerra, Vietnã ainda sofre com o conflito

Conflito sem mocinhos e bandidos deixou marcas na população vietnamita
Luiz Cesar Pimentel, Do R7
Luiz Cesar Pimentel/R7
Le Minh Quang, de 60 anos, vitnamita e condutor de riquixá. Quang ajudou os americanos e hoje nem consegue tirar passaporte

vietnã 1Passeava tranquilo em um riquixá(transporte semelhante a um taxi) em Ho Chi Minh City – antiga Saigon, ainda como capital do Vietnã do Sul–, quando o condutor para e me pede um favor. Le Minh Quang, de 60 anos (foto), tira um papel amarrotado de baixo do banco da bicicleta que traciona o veículo e pergunta se posso entregá-lo em alguma embaixada norte-americana pelo mundo.
Quang não sabe o que é a guerra do Vietnã, que o resto do mundo conheceu principalmente por filmes como Apocalypse Now, Platoon, O Franco Atirador e Americano Tranquilo. O que ele vive, mais de 30 anos após o final do conflito, é o que é conhecido no país como a guerra Americana.
Na guerra do Vietnã, que completa teoricamente 50 anos neste 14 de dezembro – data em que o então presidente John Kennedy determinou a intensificação do envio de tropas ao país –, pouco mais de 58 mil soldados (norte-americanos) morreram no conflito. 
Na guerra Americana - a que nosso amigo do riquixá conhece - 1,2 milhão de soldados morreram e as estimativas apontam que quatro milhões de civis foram mortos ou feridos. O sexagenário entra em outra conta, a das pessoas que sofrem consequência até hoje.
Antes, vale dar uma resumida no que foi a guerra. Começou quando o Vietnã decidiu declarar independência da França, ao final da Segunda Guerra, em 1945. A colônia amargou nove anos de batalha até vencer e assinar um acordo, que dividia o país em dois – norte comunista e sul capitalista.
Os EUA coçaram as orelhas, viam ali uma possibilidade de avanço do lado vermelho na Guerra Fria que travava contra a então União Soviética e em 1961, no primeiro ano do governo Kennedy, após três revezes – perda da soberania na questão cubana, construção do Muro de Berlim e perda na disputa fria no Laos -, o presidente decidiu que era hora de apontar os canhões para o Vietnã.
Na prática, foi simulado um ataque a navio norte-americano quatro anos depois para “legitimar” o envio pesado de tropas para o país – no total, 3.140.000 soldados dos EUA foram para o Vietnã para defender o Sul do país, alinhado em posição política. Tudo contra os vietcongs (acrônimo de Viet Nam Cong Sam, comunistas vietnamitas traduzindo).
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Destroços de tanque e outras armas são verdadeiros pontos turísticos no Vietnã (Luiz Cesar Pimentel/R7)
Nosso personagem morava no sul e foi motorista da embaixada dos EUA durante o conflito. Ele e todos os que participaram aliados às tropas americanas sofrem represálias eternas. O papel que me entregou autorizava sua imigração para os EUA, mas o governo vietnamita nega emissão de passaporte e até mesmo que ele pratique alguma atividade econômica que não seja informal.
Assim, no dia seguinte ao final do conflito, médicos, engenheiros, não importava a formação, foram impedidos de exercerem as aptidões profissionais e a moeda do país foi unificada na proporção de 500 para 1. Em favor do norte, claro. Esse fato deixou todos que guardavam qualquer coisa em espécie miseráveis da noite para o dia.
Nos anos anteriores a isso, foi deixado um rastro de desgraça no país e afetou as populações locais independente das suas posições políticas. As selvas do país foram banhadas com 73 milhões de litros de agentes químicos (agentes laranja, azul e branco), para desfolharem a mata e assim as batalhas fossem travadas em terreno aberto. Os químicos acabaram com 16% da vegetação vietnamita e deixaram agentes tóxicos no solo que são encontrados até hoje em amostras de leite materno de mães nas áreas mais afetadas.
Devido à contaminação é enorme a quantidade de crianças com defeitos congênitos. Estima-se em 500 mil as crianças com problemas nascidas após o final do conflito. Fui visitar um hospital em Ho Chi Minh, Tu Du, que trata de muitas dessas, e a enfermeira-chefe foi taxativa: “o custo é muito alto para comprovarmos cada caso. Um dos exames necessário não sai por menos de mil dólares. E temos que usar tudo o que temos para cuidar das crianças. Nossa convicção vem do fato de que praticamente todas as crianças que recebemos vêm de áreas muito atingidas durante a guerra”, afirmou Truóng Thi Tem.
Na zona onde foi dividido o país, um cinturão 5 km acima e abaixo do rio Ben Hai, na chamada zona desmilitarizada, o rastro de bombas não detonadas e minas terrestres é enorme. Muitos se aventuram a caçá-los, para venderem para o governo, o que gerou mais cinco mil mortes nos anos seguintes ao término da guerra.
Turismo local também se aproveita do conflito. Nas agências locais, os programas de visita aos palcos da guerra são anunciados aos montes – os 200 km de túneis subterrâneos nas matas, o delta do rio Mekong e até passeios para atirar com os armamentos usados à época.
vietnã 3Museus também se aproveitam da guerra. Estes tiveram que se adaptar à nova realidade depois de os EUA retirarem o embargo econômico ao país, em 1994, e reatarem relações diplomáticas no ano seguinte.
O mais famoso de Ho Chi Minh City, que era o Museu dos Crimes de Guerra Norte-Americano, virou Museu das Reminiscências de Guerra. Nele não conta que os norte vietnamitas romperam o acordo de cessar-fogo assinado em troca da retirada das tropas dos EUA do país em 1975 (acordo fora firmado em 1973) e tomaram a capital Saigon, atualmente Ho Chi Minh City. Entretanto o museu exibe com estardalhaço as oito medalhas por bravura que o sargento William Brown, dos EUA, enviou em 1º de junho de 1990 com a seguinte mensagem: “Para as pessoas do Vietnã unido: eu estava errado. Eu peço desculpas”.
Mais de 200 km de túneis foram contruídos durante a guerra para proteger as forças comunistas e hoje são visitados por turistas (Luiz Cesar Pimentel/R7)

Dez coisas que você não sabia sobre a Guerra do Vietnã

 L. Paul Epley/AP
Nick Ut/APNick Ut/AP

A Guerra do Vietnã também detém um recorde negativo sobre o uso de armas químicas, hoje banidas pelas convenções de Genebra (que estipulam as regras para crimes de guerra). Mais de 400 mil toneladas do líquido inflamável foram jogadas em operações que varreram cerca de 20% da mata nativa do país. O uso indiscriminado de napalm acabou sendo justificado pelo grande número de baixas entre os soldados americanos por causa da dificuldade em combater os vietcongues (soldados vietnamitas do norte) em meio à mata fechada. Segundo documentos atualizados do governo americano, o napalm foi apontado como o “pior medo” dos combatentes do lado comunista, e há relatos sobre batalhões inteiros de combatentes inimigos que se renderam após a mera visão de aviões americanos sobre a floresta.
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