Atualizado: 24/06/2012 10:04
BBC Brasil
"Rui Rosa. Foto: João Fellet/BBC Brasil"
Na
comprida mesa ocupada por imigrantes brasileiros numa churrascaria da
capital paraguaia, Assunção, só um assunto gerava reações mais
apaixonadas que o debate sobre quem venceria a final da Copa
Libertadores: a perspectiva de que o Brasil adote sanções contra o
Paraguai devido ao impeachment do presidente paraguaio Fernando Lugo, na
sexta-feira.
Na tentativa de evitar a destituição de Lugo, a
presidente Dilma Rousseff afirmara horas antes que havia 'previsão de
sanções' aos países que não cumprissem 'os princípios que caracterizam
uma democracia'. Disse ainda que a transgressão das regras democráticas
poderia resultar na 'não participação nos órgãos multilaterais', ou
seja, na expulsão do Paraguai do Mercosul e da Unasul.
'Antes de
falar bobagem, ela deveria pensar em quantos brasileiros moram aqui',
diz o pecuarista paranaense Rui Rosa, que vive no Paraguai desde 1982.
Segundo ele, a fala da presidente reforçou entre os paraguaios a visão
de que o Brasil age de forma imperialista com o vizinho, ditando-lhe o
que é certo e o que é errado. 'Cada comentário desses piora ainda mais
nossa imagem', afirma.
'Quando cheguei aqui, os brasileiros eram bem vistos. Hoje, o paraguaio gosta mais dos argentinos do que de nós'.
Apesar
dos esforços de Dilma e de outros líderes sul-americanos, Lugo foi
derrubado ao fim de um julgamento iniciado pelos parlamentares na
quinta-feira. No sábado, o Itamaraty divulgou nota em que condenou 'o
rito sumário de destituição do mandatário do Paraguai (...), em que não
foi adequadamente assegurado o amplo direito de defesa'.
Segundo o
órgão, 'medidas a serem aplicadas em decorrência da ruptura da ordem
democrática no Paraguai estão sendo avaliadas com os parceiros do
Mercosul e da Unasul, à luz de compromissos no âmbito regional com a
democracia'.
Para Rosa, porém, o impeachment de Lugo foi benéfico
para o Paraguai e para os 'brasiguaios', como os imigrantes brasileiros
são conhecidos por lá. Estima-se que no Paraguai haja 400 mil
brasileiros (entre nascidos no Brasil, seus filhos e netos), que
começaram a migrar para o país vizinho nos anos 1960 e 1970 para
trabalhar como agricultores.
Donos de grandes propriedades num
país em que 2% da população controla 80% das áreas férteis, o grupo é
contestado por trabalhadores sem-terra, que se dizem preteridos em seu
próprio país.
Segundo Rosa, Lugo aguçou a animosidade entre os
grupos ao estimular invasões. Além disso, ele afirma que o ex-presidente
'criou um sentimento de que os brasileiros são ladrões de energia',
referindo-se à renegociação do acordo de Itaipu conduzida por ele. As
tratativas resultaram na triplicação do montante pago anualmente pelo
Brasil ao Paraguai pela energia gerada na usina binacional.
Isolamento e má gestão
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"Kelly e Lindor Kubitz e família"
Há
17 anos no Paraguai, o empresário paranaense Lindor Kubitz também
condena possíveis sanções ao país. 'Tirar o Paraguai do Mercosul é uma
bobagem. A Dilma só ouviu o Lugo, agora tem que ouvir o outro lado'.
Segundo
ele, o ex-presidente estava isolado e fazia uma péssima gestão. 'O
governo parou, o Congresso o boicotava e nem o Exército estava ao seu
lado', diz.
Também sentada à mesa, sua esposa, Kelly, ecoa uma das
queixas do pecuarista Rosa: 'Ele (Lugo) sustentava os carperos
(sem-terra)'.
Há uma semana, 18 pessoas - entre policiais e
sem-terra - morreram durante a reintegração de posse de uma fazenda
próxima à fronteira com o Brasil. O conflito foi uma das razões citadas
pelos congressistas para destituir Lugo.
Apesar da violência no
campo, o casal diz que o Paraguai está mais estável hoje do que quando
chegaram. Eles lembram a convulsão social que antecedeu outro
impeachment, o do presidente Raúl Cubas, em 1999.
'Naquela época, ficamos uma semana trancados em casa', diz Kelly.
Credibilidade em risco
Mas
nem todos os brasiguaios na churrascaria aprovaram a queda de Lugo. O
dono do restaurante, o também paranaense Valdinarte Cardoso, diz que a
rapidez com que ela se deu 'afetou a credibilidade do Paraguai'.
BBC Brasil
"Valdinarte Cardoso"
'Um
país que tira um presidente em 48 horas pode tirar uma multinacional em
24', afirma 'dom' Cardoso, como é chamado por seus empregados. 'O
mandato dele terminaria no ano que vem, poderiam ter esperado'.
No
Paraguai há 26 anos, Cardoso tem, além do restaurante, seis empresas no
país, com 360 funcionários. Ele afirma que Lugo 'fez um grande favor ao
Paraguai ao não atrapalhar o crescimento da economia'. Nos últimos três
anos, o PIB paraguaio teve algumas das maiores taxas de crescimento
entre países da América Latina.
Segundo ele, o impeachment
interrompeu um círculo virtuoso no país. Cardoso diz, porém, que os
avanços nos últimos anos justificam que o Paraguai seja visto com outros
olhos pelos brasileiros.
'É fácil falar mal do Paraguai, mas
enquanto no Brasil leva oito anos para o governo tirar invasores de uma
fazenda, aqui leva 35 dias'.
A conversa é interrompida para que
ele dê uma bronca num churrasqueiro paraguaio. 'Todo dia tenho que falar
a mesma coisa: quando vocês vão aprender a tirar a carne no ponto
certo?'
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