quinta-feira, 26 de julho de 2012

Demora no registro de ocorrências vira tormento nas repartições policiais de BH

Cidadãos aguardam horas para comunicar crimes ou simples extravios de documentos. Para o estado, demora razoável não deveria ultrapassar 20 minutos
Publicação: 26/07/2012 06:00 Atualização: 26/07/2012 07:21
 

Valquiria Lopes -Estado de Minas A aflição por ter perdido todos os documentos em um ônibus fez com que a dona de casa de 66 anos corresse ontem para a delegacia da Rua Carangola, no Bairro Santo Antônio, Região Centro-Sul de Belo Horizonte. “Perdi identidade, CPF, cartão de crédito, carteira de motorista e do clube. Quem pegou isso pode usar para praticar crimes e me prejudicar. Por isso, vim o mais rápido que pude”, disse. Porém, a expectativa de fazer uma queixa criminal que a isentaria de problemas se transformou em agonia. O serviço, que é relativamente simples, levou quatro horas e 30 minutos para ser feito. Como ocorreu com a dona de casa, que pediu para não ser identificada por estar transtornada com a situação, a demora nas unidades tem desanimado vítimas de crimes, como constatou a reportagem do Estado de Minas em duas delegacias da mesma região. E tão grave quanto os transtornos enfrentados individualmente pelos cidadãos é o efeito dessa situação nas estatísticas oficiais, já que muitos crimes deixam de ser notificados por aqueles que acham melhor amargar o prejuízo que enfrentar a burocracia.
Na tarde de ontem, a média de espera pelos serviços foi de uma hora e 10 minutos nas delegacias da Rua Carangola e da Rua Michel Jeha, no Bairro São Bento. Dos 12 casos acompanhados pela reportagem, três passaram pela Polícia Militar, fase em que a demora média por atendimento foi superior, chegando a uma hora e 21 minutos. De acordo com a chefia da Polícia Civil, o tempo razoável para registrar uma ocorrência é de 10 a 20 minutos, pelo menos três vezes e meia menos que a espera enfrentada ontem nas duas delegacias.
As corporações recomendam que se ligue para o 190 quando um crime estiver em andamento, e que se vá a qualquer unidade policial para registro de episódios já consumados. Mas nem sempre é isso o que ocorre. Sob a condição de anonimato, um investigador que trabalha em uma dessas unidades admitiu à equipe de reportagem que é comum os policiais militares “tirarem o corpo fora”, indicando que os crimes devem ser registrados apenas nas delegacias. “O que mais ocorre são casos de pessoas que procuram a PM e são mandadas para cá pelos militares. A pessoa já podia ter resolvido o problema, mas acaba parando aqui, sentada, esperando em uma fila”, critica.
De acordo com o policial civil, os problemas no sistema estão entre os principais entraves para atender com rapidez. “O computador aqui (na delegacia) é uma bênção”, ironiza. “Você consegue registrar em 15 minutos o extravio de documentos, mas, quando o sistema cai, fica lento ou trava, a espera passa para 30, 40 minutos”, estima o agente. Outro problema apontado por ele e constatado pelo EM nas duas unidades é que apenas um servidor faz os registros, enquanto as pessoas se amontoam na sala de espera. Por isso não é difícil constatar que muitos cidadãos entram, percebem a demora que vão enfrentar e desistem do atendimento.
 (ARTE EM)

DESRESPEITO
Para o professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) Robson Sávio, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o cidadão não encontra estímulos para fazer o registro da ocorrência. “Além de terem de esperar tempo para fazer uma queixa policial, as pessoas são maltratadas nas delegacias e nas companhias da Polícia Militar. Muitas até desistem. Ficam constrangidas ou com medo de fazer a ocorrência”, afirma.
A dona de casa que esperou por quatro horas e meia para registrar um simples extravio de documentos no Bairro Santo Antônio chegou à delegacia às 11h. “Sentei e havia três pessoas na minha frente. O tempo foi passando. Apareceram duas pessoas, que se sentaram e os policiais as chamaram na frente, também para registrar extravios de documentos”, reclamou. Quando ela achou que seria finalmente atendida, o investigador que fazia os registros resolveu sair para almoçar sem deixar substitutos. “Tive de mofar na sala de espera até que o policial retornasse e resolvesse voltar a chamar as pessoas para fazer os registros”, conta a mulher, que só deixou a delegacia às 15h30.
Reclamações de atrasos e de não atendimento de policiais chegam com frequência à Ouvidoria de Polícia de Minas Gerais. Só neste ano, entre janeiro e junho, foram 111 queixas de solicitações policiais mal atendidas e 42 de falhas na resposta do emergência 190. A média é de uma reclamação a cada quatro dias, no caso das solicitações, e uma a cada 10 dias, para o serviço telefônico. “Nos dois casos, a Ouvidoria de Polícia, como órgão de controle social e ferramenta para aprimoramento da atividade policial, vem apontando à Corregedoria e ao Comando da PM o aumento de reclamações quanto à eficiência da atuação policial, bem como sugerindo intervenções e melhorias nos serviços prestados”, disse o ouvidor de polícia, Rodrigo Xavier Da Silva.

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