Não entendi a comoção em torno da plástica íntima
http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/ivan-martins/noticia/2012/09/o-escandalo-das-vaginas.html
Fomos informados pela imprensa, alguns dias atrás, que cresce
exponencialmente no Brasil o número de cirurgias estéticas de vagina. As
mulheres que têm lábios vaginais muito grandes estão pagando cerca de
três mil reais para reduzi-los às proporções da moda, que são modestas e
delicadas. Se eu entendi direito, em vez de um botão de rosa aberto ou
semiaberto, elas querem um botão cerrado. Acham mais bonitinho.
A notícia provocou o barulho de sempre. As moças engajadas foram às
redes sociais dizer que esse tipo de operação representa uma violência
social inaceitável. Os homens que amam as mulheres declararam seu amor
incondicional a qualquer forma sagrada de vagina. Em dois minutos,
apareceram dezenas de médicos explicando como a operação – embora
simples e rápida – exige uma recuperação cuidadosa (um mês sem sexo!) e
acarreta dois riscos sérios: infecção e perda de sensibilidade vaginal,
por dano ao tecido nervoso.
Confesso que, neste tipo de assunto, estou me tornando um pessimista.
As pessoas farão coisas cada vez mais malucas com seus corpos, não
importa o que a gente ache ou diga. Acredito que isso exterioriza o
enorme mal estar interior com elas mesmas, que precisa ganhar forma de
algum jeito. Se puderem redesenhar seus corpos – da forma como não
conseguem alterar seus sentimentos – farão isso cada vez mais
agressivamente, sob qualquer desculpa, inclusive a de se tornar mais
atraentes. Temo que no futuro vivamos num livro de ficção científica de
Willian Gibson, em que os personagens têm olhos cor de rubis, vaginas
artificiais nas coxas e carregam clitóris embaixo dos braços. Eu
chamaria isso de inferno, mas muitos acharão que é o paraíso.
Dito isso, e talvez por ser um pessimista, eu não fiquei escandalizado
com as cirurgias estéticas de vagina. Não entendo em que elas são
eticamente diferentes de uma plástica de nariz. Ou de barriga. Ou de
seios. Se a gente já se acostumou com peitos que balançam como bolas de
borracha, por que fazer caso de minúsculas lacerações do tecido vaginal?
Pergunto aos meus botões ignorantes se uma lipoaspiração é menos
nojenta, agressiva, perigosa ou de qualquer maneira menos fútil que uma
plástica corretiva na vagina – e não recebo deles resposta
satisfatória.
Sendo homem, tampouco faço ideia de como seja estar insatisfeito com a
própria vagina, achá-la desengonçada, pelancuda, feia. Já ouvi mulheres
com esse sentimento e elas me pareceram tristes. Minha primeira
impressão é que o amor e o desejo dos parceiros deveriam ajudar a
colocar isso de lado, mas talvez em alguns casos essas atenções faltem,
ou sejam insuficientes. Deve haver situações em que a modificação do
corpo seja mais que mera estupidez ou frivolidade, e talvez um psicólogo
seja a pessoa adequada para ajudar a determiná-las.
Embora eu não saiba nada sobre os sentimentos da vagina, sei como os homens se sentem em relação ao pênis.
Milhões vivem profundamente insatisfeitos com a forma e, sobretudo, com as dimensões que receberam da natureza. Se houvesse a certeza de mudar essa situação com uma cirurgia de três mil reais, de curta duração e baixo risco, tenho certeza de que muito se atirariam a ela como loucos - desesperados e famintos. Quem, sendo homem, sabendo como cada um de nós se sente em relação ao próprio pênis, diria a outro homem que não fizesse por si mesmo essa graça? Mas não existe uma cirurgia segura que ofereça a prodigalidade peniana. Portanto, estamos livres para rir, julgar e invejar as mulheres.
Milhões vivem profundamente insatisfeitos com a forma e, sobretudo, com as dimensões que receberam da natureza. Se houvesse a certeza de mudar essa situação com uma cirurgia de três mil reais, de curta duração e baixo risco, tenho certeza de que muito se atirariam a ela como loucos - desesperados e famintos. Quem, sendo homem, sabendo como cada um de nós se sente em relação ao próprio pênis, diria a outro homem que não fizesse por si mesmo essa graça? Mas não existe uma cirurgia segura que ofereça a prodigalidade peniana. Portanto, estamos livres para rir, julgar e invejar as mulheres.
Não quero com isso endossar de forma nenhuma as plásticas vaginais. Já
disse que acho esse modismo uma expressão da nossa coletiva (e
inexorável) maluquice. Mas tampouco fico confortável vendo as pessoas
que fazem esse tipo de procedimentos sendo estigmatizadas. Acho patético
que uma sociedade que foi tão longe em incentivar o flagelo corporal
das mulheres em nome da beleza se volte coletivamente contra a mais
recente manifestação da sua própria loucura – apenas outro sintoma,
sutil e delicado, de que coisas muito mais importantes estão erradas.
(Ivan Martins escreve às quartas-feiras)
Um comentário:
Muito bem escrito. Compartilho desse pessimismo e também acho que se for pra recriminar esse tipo de cirurgia dever-se-ia recriminar até cirurgia no nariz
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