Carlos Roberto/Arquivo Hoje em Dia
Cientista descreve a glândula de veveno da cobra como 'pequena empresa farmacêutica'
Cientista descreve a glândula de veveno da cobra como 'pequena empresa farmacêutica'

As cobras são capazes de transformar o próprio veneno em moléculas inofensivas com potencial para produzir remédios, revela uma nova pesquisa publicada recentemente, com implicações importantes para doenças como o câncer.

O estudo conjunto britânico-australiano sobre o sequenciamento do veneno e genes de tecido de cobras demonstrou que o veneno não só evolui de células regulares como pode produzir proteínas inofensivas.

Gavin Huttley, da equipe australiana, diz que esta foi a primeira vez em que o veneno das cobras demonstrou capacidade de recuar para tecidos regulares, o que constitui uma descoberta significativa para o desenvolvimento de medicamentos para tratar doenças como câncer e diabetes.

Fisiologia

O veneno das cobras costuma seguir os mesmos caminhos fisiológicos de muitas doenças humanas e, para Huttley, compreender como a molécula do veneno muda a sua forma pode ajudar os cientistas a desenvolver novos tratamentos.

Alguns venenos de cobra, por exemplo, fazem com que as células que guarnecem os vasos sanguíneos se separem e morram, inclusive aquelas que alimentam tumores cancerosos. E Huttley diz que descobrir como isto funciona poderá levar a tratamentos de câncer mais eficazes.

“Isto ressalta o fato de que as moléculas de veneno, estas coisas que matam, na verdade são apenas derivados de proteínas normais”, explica Huttley, da Universidade Nacional Australiana. “Ao estudar os eventos moleculares, tem-se a ideia sobre o que é preciso para fazer com que uma proteína alcance aquelas funções fisiológicas específicas”.

Experimentos

Huttley descreve a glândula de veneno da cobra como “uma pequena empresa farmacêutica, realizando um grande número de experimentos em escalas evolutivas com novas moléculas para ver se funcionam”. Essencialmente, os cientistas embarcaram no estudo interno da cobra para tentar mapear as mudanças de aminoácidos envolvidas na evolução de células regulares em veneno e vice-versa, afirma.

“Esta é uma prova de princípio de que, de outra forma, a molécula tóxica pode ser modificada para beneficiar um organismo, sustentando o interesse em explorar seu potencial farmacêutico”, diz Huttley. “Esta é apenas mais uma ferramenta do arsenal para tratar doenças humanas”. O estudo foi publicado na última edição do periódico Nature Communications.

Minas faz pesquisa semelhante

Desde 2004 que a Fundação Ezequiel Dias (Funed) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) fazem pesquisas para fabricação de um medicamento para combater o câncer. A droga estudada será feita a partir do veneno da cobra surucucu, muito comum na floresta amazônica. As pesquisas revelaram que uma pequena dose do veneno purificado conseguiu reduzir em 50% o tamanho do tumor.

A substância encontrada inibe a formação de vasos sangüíneos que irrigam o tumor e são responsáveis pelo seu crescimento. Os estudos são feitos em cobaias e, confirmada a eficácia, os testes serão feitos em humanos. Uma pesquisa deste porte demora cerca de 15 anos para ser concluída.