Luiz Tito
PUBLICADO EM 28/10/13 - 03h00
Quando surgiram, no último mês de junho, as manifestações que tomaram
as ruas das principais capitais brasileiras e depois viraram o cotidiano
em todo país, sempre que emergiam assuntos dos quais a ordem fosse
discordar, um sentimento de poder também ganhou dimensão na consciência
popular brasileira. O povo voltou a ter voz. O fato motivador foi um
aumento dos preços das passagens de ônibus, tímido e justo, conforme
justificavam os concessionários, para corrigir preços mantidos estáveis
nos últimos quatro anos. Nada mais compreensível e adequado, num país
onde a inflação mora na antessala da nossa jovem e bamba estabilidade
econômica. Ninguém quis saber; afinal, qualquer aumento, como se
pretendia, retiraria dos usuários significativa parcela de seu
orçamento, já penalizado por tantas contas.O povo foi às ruas, instalou-se na sala o bode da reivindicação do passe-livre para estudantes e idosos, para militares da reserva, deficientes físicos e outras categorias, e, antes que o leque se ampliasse para abrigar a gratuidade para um universo desconhecido, os empresários e prefeitos cederam. Voltaram a vigorar os preços antigos.
Depois vieram as manifestações de rua contra a construção de estádios de futebol já construídos, pagos e já operando. Quebra-quebra geral, muita gente ferida, alguns mortos, prisões, depredação dos patrimônios público e privado, com prejuízos impagáveis e zero de resultado. O que estava construído já estava; não havia mais o que fazer. Berrar que o país precisa de investimentos em educação, saúde e segurança todos sabem. Até o governo e nossos governantes. O problema é que isso não dá voto nem dinheiro mais. No calendário de equívocos, o momento é o de investir em obras não prioritárias, infraestrutura que poderia ser concedida às empresas privadas, trens-bala, caças russos e uma centena mais de coisas e projetos cujos custos a corrupção generalizada se incumbe de majorar, impunemente.
Nos últimos dias, assistimos a manifestações mais ruidosas, com destaque para a invasão do laboratório paulista Royal para libertar cães e coelhos utilizados em experimentos científicos, sob a alegação de que esses animais eram maltratados pela empresa e seus técnicos. Um grupo de ativistas organizou via internet o movimento pela invasão, libertação dos animais e destruição de computadores, laboratórios e materiais de pesquisa. Essa prática, quando necessária por inevitável, se é realizada, é o resultado de um longo trâmite burocrático no Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal. Infelizmente é o possível, já que não se pode fazer experiência de risco em humanos. Não se faz por prazer, mas por absoluta impossibilidade de se realizarem pesquisas científicas específicas em humanos.
Um bando de desocupados desinformados organizou referida manifestação, depredou um laboratório e destruiu um ativo importante de estudos. Não se estava reprimindo um rodeio, uma tourada, uma vaquejada, ou ainda o sacrifício de animais para lhes tirar a pele e dessas fazer golas de casaco. Essas são práticas estúpidas, de flagrante ofensa aos animais, mas se estava inibindo a pesquisa científica porque alguém achou que era o certo.
Tais exemplos, que vêm se incorporando aos nossos dias, põem em risco a ordem, a estabilidade e o respeito sem os quais não há democracia, não há Estado de direito, não há garantia nem civilidade. São protestos errantes, perigosos, selvagens, de resultado positivo nenhum. Os negativos, esses sim, são incalculáveis e perversos.
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