Ética
Alvos.
Grupos a favor do impeachment de Dilma pressionam parlamentares, às
vezes ignorando histórico dos políticos que vão julgá-la
PUBLICADO EM 09/11/15 - 04h00
Nardes julgava Dilma, que era intimidada por
Cunha, que tinha o mandato ameaçado pelos colegas. Gurgacz amedrontava
Dilma, que poderia ficar nas mãos de Calheiros. Na corda bamba, Dilma e
Cunha poderiam cair. Mas, à espreita, na linha sucessória, estavam
Temer, no caso dela, Maranhão, Giacobo, Mansur e Bornier e Canziani, no
caso dele. Todos estavam na mira da Justiça, que, dos seus quadros,
também contribuía com dois suspeitos para o enredo de escândalos: Cedraz
e Gonçalves. Todos eram alvos de investigações por mau uso da verba do
povo, que não foi chamado a partilhar das decisões do que era feito com o
seu dinheiro.
A analogia com o poema de Carlos Drummond de
Andrade, sugestivamente chamado de “Quadrilha”, não poderia ser mais
apropriada ao cenário político atual. Autoridades dos Três Poderes são
suspeitos de cometer crimes dos mais diversos: de improbidade
administrativa a sequestro.
Em algumas situações, a situação é tão
esdrúxula que o responsável por julgar uma fraude é também alvo de uma
investigação. O relator das contas de 2014 do governo Dilma Rousseff foi
o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Augusto Nardes, que
apontou diversas irregularidades. Contudo, o responsável por apontar o
erro e o seu superior, Aroldo Cedraz, presidente do tribunal, têm os
nomes envolvidos em suspeitas de crimes.
Nardes é apontado pela polícia por receber
R$ 1,6 milhão da empresa Planalto, investigada na operação Zelotes por
fraudes fiscais. Mensagens revelam que Nardes e o sobrinho receberam da
SGR Consultoria, que teria corrompido conselheiros do Carf para
favorecer empresas que recorrem ao órgão para discutir multas.
Já Cedraz teve o nome citado em outro caso
porque o seu filho, o advogado Tiago Cedraz, é suspeito de receber
propina por tráfico de influência para ajudar a construtora UTC em
processos no TCU.
Esse não é o único caso em que o alvo tem
situação tão complicada quanto o atirador. O presidente da Câmara,
Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tem o poder de decidir se aceita que o pedido
de impeachment de Dilma entre na pauta. O mesmo deputado é denunciado
por lavagem de dinheiro e corrupção.
Independentemente da Justiça, Cunha pode ser
julgado pelos colegas. Um processo no Conselho de Ética foi aberto por
quebra de decoro, e ele pode perder o mandato. Contudo, um terço dos
colegas que o irão julgar no colegiado é alvo de processos no Supremo
Tribunal Federal. Ainda que perca o mandato, a sociedade assistiria a um
novo dilema. Na Mesa Diretora, onde estão os possíveis sucessores de
Cunha, oito dos 11 membros são alvos de ações.
O excessivo número de políticos e
autoridades envolvidos em escândalos, na avaliação do cientista político
Guilherme Casarões, está ligado à cultura histórica da impunidade e da
confusão entre público e privado.
“As pessoas assumem cargos públicos para
adquirir bens privados. Isso está introjetado culturalmente, por isso é
difícil conter esse paradigma”, diz.
O especialista, no entanto, acredita que,
apesar do cenário, o país passa por um avanço. “Existe uma atuação mais
autônoma do TCU, a Polícia Federal e a Justiça têm sido mais rigorosas. A
própria legislação acompanha esse processo com a Lei da Ficha Limpa”,
avalia Casarões.
Já para o também cientista político Fernando
Filgueiras, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
esse cenário de “sujos e mal-lavados” tem um aspecto negativo do ponto
de vista do cidadão, que é o “nivelamento por baixo” do pensamento
“todos são iguais”. “É um risco de legitimidade do sistema
representativo, que vem se enfraquecendo”.
Estreante
Trajetória. No
Supremo, Paulo Pinato (PRB-SP), relator do processo de Cunha no Conselho
de Ética, responde a um processo em que é acusado de falso testemunho e
denunciação caluniosa.
Desesperança motiva extremos
Desesperança motiva extremos
Perdido em meio a tantas denúncias de
corrupção, o cidadão comum acompanha os desdobramentos dos casos do dia a
dia, sem saber em quem confiar. O quadro da desesperança generalizada
tende a gerar um movimento que, para o cientista político Antônio Carlos
Mazzeo, é preocupante: o fortalecimento de forças de direita.
“Quando as pessoas têm essa sensação de que
todos são iguais e nivelam por baixo, a tendência é o direcionamento
para as forças reacionárias. Isso tem uma implicação muito séria. Tenho
amigos até intelectuais que me dizem estar confusos”, afirma Mazzeo, que
é professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Segundo ele, esse dilema é um reflexo de uma
crise ideológica e institucional. Segundo ele, a expectativa de reação
está nas mãos de setores organizados da sociedade. “Esses setores têm
que apresentar propostas diferenciadas. Caso contrário, o que fica é o
senso comum das expressões mais conservadoras”, explica.
Para o professor da Universidade Federal de
Minas Gerais Fernando Filgueiras, o papel da sociedade diante de tantos
casos de corrupção é o de se manter informada. “E cobrar dos seus
representantes a postura que se espera deles”, afirma Filgueiras.
Mazzeo lamenta que a sociedade não esteja
mobilizada. “Infelizmente, não tem ninguém que não esteja comprometido. A
estrutura partidária é historicamente corrupta”, afirma. Ele lembra que
os cargos de ministros dos tribunais de Justiça não são eletivos, mas
são indicações políticas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário