Da publicidade às técnicas, ou sei lá como chamar, da neurolinguística, é preciso que se tenha um símbolo, um emblema, um mito-referência a seguir. Edinho Barbosa escolheu o seu: a luta, considerada a maior de todos os tempos, entre Muhammad Ali (Cassius Clay) e George Foreman, ocorrida no Zaire (hoje República Democrática do Congo), em 1974
O PT
tem o seu terceiro marqueteiro baiano: depois de Duda Mendonça e de João
Santana, é a vez de Edson Barbosa, também ele Edinho. Agora, um mesmo
diminutivo, em pessoas diferentes, cuida do marketing do governo (o
Edinho Silva) e do partido (o Barbosa). Lembro o primeiro verso de uma
música de Chianca de Garcia e Herivelto Martins: “A Bahia da magia, dos
feitiços e da fé…”. Numa entrevista concedida ao Estadão, publicada
neste domingo, o novo marqueteiro expõe, vamos dizer assim, os seus
achados para enfrentar o novo momento.
Dos três,
não se duvide, é ele quem vai precisar mais de magia, feitiços e fé.
Duda pegou o PT antes de chegar ao poder. Tinha nas mãos o Lula
carismático, um país que havia acabado de sair de um apagão e uma enorme
esperança pela frente, que deveria vencer o “medo”. Santana foi o mais
sortudo. Contava com um governo popular e com uma economia em
crescimento. Em 2014, com o sonho já se esfarelando, fez a bola bater na
trave, mas conseguiu marcar o gol. O tal Edinho tem um forte adversário
a vencer para convencer as pessoas de que o PT é a saída: seu nome é
PT. Mas ele está, claro!, muito animado e confiante. Ou seria um
filósofo cínico, não um marqueteiro.
Não
considero a marquetagem política, como se faz habitualmente, um ramo da
publicidade, cujo trabalho intelectual é essencialmente honesto,
havendo, claro, a propaganda enganosa como exceção. No primeiro caso,
lamento constatar, a desonestidade intelectual é a regra. Se um
publicitário faz bem o seu trabalho buscando ressaltar as qualidades do
produto, o marqueteiro político se dedica principalmente a esconder os
defeitos do seu. Há outras diferenças relevantes: a escolha da maionese,
da sandália ou do detergente não salva ou dana um país. Já uma escolha
infeliz para a Presidência da República…
Vejam o caso
de João Santana em 2014. O seu principal trabalho consistiu, atendendo à
necessidade de sua cliente, em esconder a real situação econômica do
país. Ao contrário: ele ajudou a dar uma bela embalagem, sem dúvida
muito competente no gênero, ao maior estelionato eleitoral da história —
talvez sem comparação no mundo. Fosse um xampu, os consumidores teriam
ficado carecas. Fosse uma salsicha, teriam morrido de infecção
intestinal; fosse um automóvel, teriam se lascado em acidentes
provocados por deficiências técnicas.
Um pouco
mais pode ser dito. Os marqueteiros estão convencidos de que crises
políticas, econômicas, morais — e sei lá quais outras — podem ser
resolvidas com a criação de um “conceito”, que depois será traduzido
numa “frase” e, finalmente, com um pouco de sorte, até num programa de
governo. Saibam que o “Fome Zero” foi uma ideia de Duda Mendonça, depois
de uma conversa com Lula. O programa nunca existiu ou saiu do papel.
Mas nascia ali o mito de que o Demiurgo acabou com a fome no Brasil.
O novo
Edinho já tem o seu conceito. Curiosamente, nasce do cruzamento da fala
de dois argentinos. Segundo diz, é uma mistura de papa Francisco com Che
Guevara, de “baixem os vidros” (do carro, pedido do Sumo Pontífice em
viagem ao Brasil) com “hay que endurecerse pero sin perder la ternura
jamás”. A fala do papa remete ao encurtamento das distâncias, ao “somos
todos iguais”, ao “nada nos separa, e tudo nos une”. A memória de
Guevara, o assassino, o porco fedorento, evoca a mística socialista e
redentora, sem a qual não se podem prometer as doces abstrações que
matam, não é mesmo?
Por isso o
PT levou ao ar comerciais de 30 segundos que, a um só tempo, faziam de
Lula um homem acima dos mortais — aquele que mora no coração dos
brasileiros —, mas também convidavam as pessoas a ignorar essa conversa
de partidos, de oposição, de divisão. Mensagem da enganação: “Estamos
todos juntos, apesar das nossas diferenças, e Lula é o nosso guia”.
Vocês avaliam se esse é um produto honesto ou se é um xampu do tipo que
deixa careca ou uma salsicha que mata de diarreia.
O
publicitário é novo, sim, mas vem para reforçar a tradição. Entre as
suas atribuições está o culto a Lula. Daí que assegure na entrevista,
contra todas as evidências, que Lula seria eleito de novo presidente da
República ainda que a disputa ocorresse agora, quando ele não consegue
explicar a sua relação com um apartamento e com um sítio. Confrontado
com os levantamentos que indicam o contrário, dispara uma frase forte,
bem marqueteira: “Pesquisa em cima do que não existe não vale nada. É
prestidigitação. Parou-se o País numa maluquice esquizofrênica, como se
fosse uma Câmara de Vereadores comandada por Eduardo Cunha, num
contrassenso total”.
A frase
embute mentiras sobre o xampu que deixa careca: o impeachment seria obra
de Cunha, e as dificuldades que o governo enfrenta no Congresso,
decorrentes da atuação do presidente da Câmara. Um marqueteiro político
precisa de magia, feitiços e fé. Para conseguir o cargo, talvez o
emprego mais bem pago da República, também é preciso convicção, e o
Edinho baiano tem: “Se tivesse eleição hoje, o Lula ganharia, total.
Seria muito mais fácil do que em 2018. Seria uma porrada só, não tinha
nem discussão”.
Da
publicidade às técnicas, ou sei lá como chamar, da neurolinguística, é
preciso que se tenha um símbolo, um emblema, um mito-referência a
seguir. Edinho Barbosa escolheu o seu: a luta, considerada a maior de
todos os tempos, entre Muhammad Ali (Cassius Clay) e George Foreman,
ocorrida no Zaire (hoje República Democrática do Congo), em 1974. Ali
apanhou durante sete rounds, ficando nas cordas, esquivando-se, levando o
adversário, muito mais forte e mais jovem do que ele (25 a 32 anos), ao
cansaço. No oitavo, numa sequência surpreendente, nocauteia Foreman,
que havia vencido, até então, as 40 lutas que travara. Ocorre que era um
atleta de explosão, despreparado para o confronto longo.
Edinho
Barbosa acha que a oposição é Foreman e que Lula é Muhammad Ali. Vale
dizer: sua tarefa é transformar Lula num herói da resistência.
Você topa usar comer essa salsicha, usar esse xampu, andar nesse carro?
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