A perícia não inocenta Dilma
Terça-feira, 28/06/2016, às 07:42,
por Helio Gurovitz - G1
Há uma crença difundida por Brasília e pelos meios empresariais que vê
como inevitável a condenação da presidente afastada Dilma Rousseff no
processo de impeachment. Mas os levantamentos disponíveis demonstram que
ainda é impossível prever o resultado do julgamento.
Confirmados, há algo entre 40 e 45 votos favoráveis à condenação, para
menos de 20 pela absolvição. Para Dilma ser condenada, são necessários
os votos de 54 senadores. Entre aqueles cujo voto está indefinido há
alvos da Operação Lava Jato, como o presidente do Senado, Renan
Calheiros, ou o ex-ministro das Minas e Energia, Edison Lobão.
Dois
motivos embasam a crença na condenação de Dilma. Primeiro, criou-se um
consenso político em torno do governo do presidente interino Michel
Temer. Verdade que três ministros foram derrubados por denúncias da Lava
Jato. Verdade que a Câmara vive uma situação bizarra com a sucessão
indefinida do presidente afastado Eduardo Cunha.
Mas Temer tem
conseguido o Dilma não conseguia desde o início de seu segundo mandato:
governar o país. Aprovou diversos projetos no Congresso e construiu uma
maioria que deverá funcionar no mais relevante, a Proposta de Emenda
Constitucional que estabelece um teto para os gastos públicos.
O segundo motivo é que ninguém, incluindo os senadores, tem nenhum tipo
de nostalgia da paralisia política e da inépcia que sempre acompanharam
Dilma no poder. É razoável supor que os senadores preferirão condená-la a
enfrentar as incertezas derivadas de uma eventual volta dela. Para
poiorar, o PT é um partido hoje dizimado pela Lava Jato, que mal
consegue definir uma estratégia para lidar com sua crise interna.
Mesmo
que Dilma tenha acenado com a proposta de plebiscito para realizar
eleições gerais, a incerteza gerada por um plebiscito pode ser ainda
maior, como mostra o caso britânico. Apesar da gritaria, o impeachment
continua a seguir o rito estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal
(STF) e não houve nenhum tipo de ruptura institucional. Se Dilma for
condenada, nossas instituições terão resistido – não sem solavancos,
diga-se – à maior crise política que talvez já tenham enfrentado.
Mas
sempre há uma distância entre um cenário razoável e a realidade
política. É inegável que o processo contra Dilma enfraqueceu ontem com a
perícia apresentada por técnicos do Senado. A perícia sustenta que ela
não teve responsabilidade pelo atraso de pagamentos do Tesouro ao Banco
do Brasil pelo Plano Safra, no valor de R$ 3,5 bilhões, nem por um dos
quatro decretos que ampliaram gastos do governo sem autorização do
Legislativo.Para os peritos, as fraudes fiscais cometidas por Dilma em 2015 se
resumem a três decretos autorizando créditos suplementares, somando algo
como R$ 2,3 milhões, um valor irrisório diante do trilionário Orçamento
Nacional. Claro que as fraudes são resultado de uma prática que vinha
pelo menos dos dois anos anteriores. Só em 2014, o Tribunal de Contas da
União verificou irregularidaes que somaram R$ 106 bilhões. Mas Dilma
está em julgamento pelas contas de 2015. Sua defesa afirmou que usará a
perícia dos técnicos em seu favor.
Haverá nas alegações finais
certamente um debate sobre a extensão das fraudes. A defesa insistirá na
sua irrelevância, com base na perícia. A acusação chamará a atenção
para a extensão total que consta do voto do senador Antônio Anastasia,
que fala num impacto negativo no Orçamento de até R$ 1,8 bilhão, no
total de seis decretos analisados para a emissão de créditos
suplementares.
Ninguém conseguirá, contudo, negar que houve fraude, nem que Dilma foi a
responsável, independentemente da extensão dos efeitos. É preciso
lembrar que impeachment também é um processo político – serve para
proteger o Estado, não para punir quem cometeu o delito em questão. Os
senadores têm mandato para avaliar o histórico e as consequências do
julgamento. A volta de Dilma ao poder abriria um período maior de
incerteza, e sua condenação no Senado não elimina a possibilidade de
absolvição na esfera criminal, como ocorreu com o ex-presidente Fernando
Collor.
Mesmo que o crime de responsabilidade de Dilma pareça
pequeno para alguns, ele não ocorreu num vácuo. É resultado do desleixo e
da irresponsabilidade do governo petistas com as contas públicas ao
longo de anos, cujo preço a economia brasileira ainda não terminou de
pagar. Seu caso lembra, guardadas as devidas proporções, o processo nos
anos 1930 contra o mafioso Al Capone. Ele fora responsável por milhões
de dólares em roubo e por dezenas de assassinatos – mas no final acabou
condenado por ter fraudado o Imposto de Renda.
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