segunda-feira, 15 de junho de 2020

História das Divisões Militares do Rio Doce - Uma homenagem aos 245 anos da PMMG - Via DRD

Fonte: Jornal Diário do Rio Doce - G.V
A Polícia Militar de Minas Gerais é a instituição policial mais antiga do Brasil. Em 12 de setembro de 1720 Minas Gerais se torna uma capitania do Império Português. Em 28 de fevereiro de 1821 é constituída a Província, que se tornou o atual estado de Minas Gerais com a Proclamação da República. A Polícia Militar de Minas Gerais teve sua origem em 9 de junho de 1775, com o Regimento Regular de Cavalaria de Minas, em Ouro Preto. Nas fileiras da corporação foram alistados mineiros; o orçamento e os vencimentos eram de Minas Gerais. São 245 anos de existência, contra os 188 anos de criação do Brasil. O patrono da Polícia de Minas Gerais é Alferes Tiradentes, que serviu no Regimento de Cavalaria. O Sexto-Batalhão de Política Militar, criado em 4 de março de 1931, foi deslocado de Belo Horizonte para Governador Valadares, em 22 de julho de 1952. Inicialmente, o Sexto-Batalhão assumiu a tarefa de pacificar e estabelecer a ordem pública da porção Leste do território de Minas Gerais, entre Ponte Nova/Manhuaçu, passando pelos vales dos rios Doce e Mucuri, abrangendo o vale do Jequitinhonha, até a divisa com a Bahia. Aproveito a oportunidade para contar um pouco a histórica da ocupação dessa imensa região, em sua origem mais remota.
Em 13 de maio de 1808, recém instalada a capital do Império Português no Rio de Janeiro, o Príncipe Regente Dom João determinou a ocupação e colonização dos sertões do Leste de Minas Gerais e a promoção da navegação fluvial do Rio Doce. Essa imensa extensão geográfica era bioma da Mata Atlântica, no qual viviam diferentes povos indígenas (Krenak, Maxacali, Puri, Pataxós etc.). Foram criadas sete circunscrições militares, cada uma com seu quartel geral e vários outros quarteis em localidade estratégica dos vales dos rios Pomba, Muriaé, Doce, Santo Antônio, Suaçuí Grande, Mucuri e Jequitinhonha. Para cada circunscrição correspondia uma Divisão Militar do Rio Doce.
As sete Divisões Militares eram independente uma das outras, até que em 1824, quando foi criado o comando-geral, nomeado para o posto o francês Guido Thomaz Marlière. A organização especial que possuíam e a natureza do serviço a que se destinavam não permite classificá-las como unidade militar típica. Elas foram forças irregulares fixas, com forma diferenciada de remuneração, sendo inteiramente local o serviço que prestavam. Os oficiais foram efetivamente militares, porém as praças dificilmente se encaixam nessa classificação, pois além de jagunços e mateiros, a maior parte era recrutada á força, entre criminosos e vadios das cidades e vilas de Minas Gerais. Por ordem do Governador de Minas Gerais e pela conveniência pública, não deviam ser transportadas para fora da área em que atuavam, para não deixarem “indefesas tantas famílias e estabelecimentos”. Também não estavam preparadas para auxiliarem as forças do exército, “pela pouca e não adquirida disciplina” militar. Não poderia ser diferente, somente homens tão rudes poderiam suportar a vida sedentária na selva (os índios eram nômades), sujeitos a fome, doenças, embates violentos e o “inferno dos mosquitos”, que enlouqueceriam o ser humano “normal”.
A primeira fase (1808-1818) da ocupação expressou o desejo oficial de extermínio dos Botocudos. Para cada uma das divisões foram nomeados comandantes homens práticos capazes de penetrar os sertões, sobreviver à floresta, localizar as trilhas indígenas, persegui-los e eliminar seus redutos. Cada comandante era alferes do Regimento de Cavalaria (tropa regular), mas subordinado diretamente à uma Junta Militar e ao “Governador das Armas”, autoridade do exército estacionada na Província. Cada unidade foi uma força de penetração, objetivando liberar o território da presença indígena e promover a navegação regular do rio Doce. Além do valor do soldo, os comandantes das divisões recebiam gratificações, inclusive por número de índios mortos, além do direito de escravizar os vivos. Esse desenho inicial foi alterado completamente, com o fim da chamada guerra ofensiva aos Botocudos e sua substituição por uma estratégia de colonização com apoio indígena e promoção da miscigenação. Cada um dos comandantes teve a liberdade de recrutar sua tropa, recomendando-se que selecionasse aqueles acostumados às condições adversas, adaptadas à vida nos sertões e, principalmente hábeis ao tratar com os índios, pois agora o objetivo era incorporá-los ao processo de colonização.   
As divisões militares formaram uma estrutura sujeita a múltiplas subordinações e aos mais diversos tipos de serviços. Na esfera provincial, estavam subordinadas à Junta de Conquista e Civilização dos Índios e da Navegação do Rio Doce – estabelecida em Vila Rica e presidida pelo Governador de Minas Gerais. A Junta tinha uma composição predominantemente militar e acompanhava diretamente a atuação dos comandantes e as operações por eles conduzidas. Cabia ao Governo de Minas Gerais a nomeação dos diretores de aldeia e do Diretor-Geral dos Índios, como responsáveis pela civilização e catequese. Com a mudança da estratégia, a partir de 1818, foi criado o comando centralizado das Divisões Militares e, ao mesmo tempo, se entregou ao comandante-geral o cargo de Diretor-Geral dos Índios. Os comandantes possuíam amplos poderes de natureza militar, policial, judicial, administrativa dentro da linha divisória, ampliados enormemente pela distância e isolamento em que se encontravam face ao governo e comando-geral. As Divisões Militares se tornaram responsáveis pela civilização e catequese dos índios, devendo zelar pela proteção dos mesmos. Também fundaram povoados e erigiram capelas e cemitérios. Foram as divisões que estabeleceram as bases do povoamento e incorporaram as áreas de florestas ao território de Minas Gerais.
Os homens das divisões militares estabeleceram famílias e, eles próprios, foram os iniciadores do povoamento que deu origem a grande parte das atuais cidades, tais como Governador Valadares, Naque, Belo Oriente, Almenara, Jequitinhonha, entre outras. Os comandantes e praças ficaram no posto praticamente vitalícios. As poucas mudanças de comando foram provocadas por morte ou doença, como os casos de 1818, em razão do assassinato do comandante da 5ª DMRD (sede em Peçanha) e por doença do comandante da 1ªDMRD (sede em Naque). O comandante-geral recebeu amplos poderes, como o de designar subcomandantes, mesmo que para isso fosse preciso promover algum soldado para o posto de sargento. Prerrogativa que foi dada diretamente pelo Imperador. Entretanto, o problema sempre foi encontrar homens qualificados entre criminosos e vadios que formaram o grosso dos que foram recrutados para os serviços das Divisões Militares do Rio Doce.  Nos 31 anos de existências, antes de serem incorporadas às forças policiais de Minas Gerais e de terem o seu perfil modificado, inspeções determinadas pelo Governador de Minas Gerais foram frequentes, a partir da primeira conduzida por Guido Marlière, em 1818,  Havia uma grande preocupação com a parte administrativa, o emprego dos recursos e a segurança do armamento, bem como em garantir o rancho e medicamentos na ponta. As inspeções também eram importantes fontes de informações sobre o progresso do povoamento, apresentando a situação geral dos índios, a lista dos proprietários e escravos que se encontrassem dentro da linha divisória e o aproveitamento das sesmarias concedidas. Como se pode perceber, a origem de nossa história é muito diferenciada. Nela está presente também um pouco dos 245 anos da história da Política Militar de Minas Gerais.

(*) Prof. Dr. Haruf Salmen Espindola – Professor do Curso de Direito da Univale – Professor do Programa de Mestrado em Gestão Integrada do Território – GIT – Doutor em História pela USP

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